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sábado, 10 de janeiro de 2015


Morada da memória

“que escrevendo ao menos luto contra o inatingível” (Julio Cortázar)

Por Fernanda Fatureto

O percurso da memória até chegar a Paco, as palavras que se alastram como fios para recuperar a figura de alguém que se mantém vivo na lembrança e todo o vai-e-vem da linguagem determinam o conto Aí, mas onde, como de Julio Cortázar, no livro Octaedro.

Semelhança a um sonho, escrita e memória se confundem até que se “passaram trinta e um anos desde aquela manhã de outubro”. Para o narrador “muito pior é esta passagem do sonho às palavras” – escrever se torna um pesadelo palpável, conforme retrocede lembrança do amigo ausente.


No texto, narra precisamente a tarefa difícil do corte das palavras – seu despinhadeiro. “Se escrevo é porque sei”. Se o narrador sentencia que sabe, “embora não possa explicar-me o que é isso”, todo o texto ficcional encontra motivo aparente para estar ali. 

A lembrança de Paco faz parte do campo ficcional.

O embaralho entre sonho e realidade faz parte do jogo, o qual Cortázar domina bem. “Superpor ou violar as palavras” e aguardar que elas cheguem no momento exato.

Irromper o fluxo narrativo e localizá-lo (aí, mas onde, como) e nesse movimento encontrar a figura do amigo. Sonho e ficção são o mesmo: “instrumental do sonho” e talvez para o escritor bater à máquina não haja um sentido pleno.

Escrever como alquimia: o ato para chegar às suas perdas, aos que se foram. 

No conto, Julio Cortázar localiza a escrita em um terreno movediço. “E você que me lê pensará que é invenção”. No papel, o escritor desmonta seus artifícios diante de nós como mestre diante de aprendizes de palavras.



*Fernanda Fatureto é autora do livro de poemas Intimidade Inconfessável (Editora Patuá, 2014)

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