Receba Samizdat em seu e-mail

Delivered by FeedBurner

terça-feira, 7 de outubro de 2008

poemas

Maria de Fátima Santos

poema I - requium

Arrumas os sapatos
Os olhos pardos
As mãos cismando
O salto muito alto

Arrumas um só par
Um depois do outro
Sem cordões nem fivelas
Lisos, envernizados

Sapatos encarnados
Cor do fogo
Papoilas esfusiantes
Sapatos cor do sangue

Vermelhos
Arrumados

Teus olhos recordando.



poema II - maresias


Tinhas um ar descalço.
Odoravas salgado,
Nu.
Algas e sargaço.

Sobravam flores de ti.
Papoilas,
Malmequeres,
Crisantos,
Rosas vermelhas.
A flor do cravo,
Orquídeas.
Colar de sombra.
Desmedidas.

E tu com ar descalço,
E tu sabida a sal,
A ondas de levante.
Sobrada da paisagem,
Soltada de desnorte,
Caminhada de longe,
Trazida sei lá de onde,
Sereia, mulher, menina
Sonhavas horizontes।



poema III - flache

Ela encostou-se.
Um cotovelo.
Tu mastigavas um rissol.
Viscoso.
Feio. Insaboroso.

Ela encostou de leve.
Um cotovelo sobre a madeira do balcão.
Um cotovelo vestido de vermelho.

Lá fora chovia em amarelo.
Lá fora chovia frio.
O sol esmaecia em fim de dia.
E ela quase nem encostada.
E ela com olhos cor da chuva.
Os olhos dela.
Amarelos.
E o cotovelo vestido de encarnado.
E tu a mastigar.
E tu a descobrir o traço.

O risco rosa a contornar-lhe o lábio.
A boca num sorriso tonto.
E tu olhando cores
O rosada da língua
o amarelo dos olhos
o negro das pestanas.

E o teu rissol a escorrer
mole.
E o cotovelo dela a roçar o balcão
E os olhos dela cor de mel
E o risco no contorno da boca,
cor-de-rosa.

Lá fora chove em muito cinzento.

Tu sabes que foi um roçar diverso.

Engoles o rissol engordurado e sais.


Share




0 comentários:

Postar um comentário