Dizem que a vida começa aos 40, 50. Acabo de completar cinquenta anos. O que poderia querer mais para a minha vida? É uma pergunta em que às vezes me pego pensando. Preciso mesmo melhorar. Bem, parto do princípio de que sempre devo melhorar. Já não fazia nenhum esporte, por conta da depressão. Mas agora estou convencido de que devo fazê-lo, para o meu bem-estar. Tenho realizado caminhadas diárias; meu esporte, propriamente, é caminhar ou correr. Não que seja muito eficiente para os males que carrego, mas é um bom começo, como um amigo afirma. As pessoas, bondosas, dizem que estou bem para a minha idade, algo que refuto com educação, sabendo da minha condição psicofísica. Mas a tendência é ficar bem, porque estou fazendo um tratamento dito inovador para a depressão, com bons resultados. O que impede de ter uma boa fluidez é o pagamento das aplicações do remédio, que são caras. Já não tenho dinheiro para assumir o tranco. Recorri à justiça para fazer com que meu plano de saúde arcasse com o tratamento, que pode ser bastante demorado, durar até dois anos; é a perspectiva. Não suporto é ter de viver num país capitalista em que tudo se resume ao dinheiro. Pelo que sei, não há esse tratamento pelo SUS, e seria absurdamente demorado ter de esperar na fila, tendo como base outros casos, que sabemos escassos. Então, é isso, a idade para mim independe. De fato, o que me faria feliz é ter uma vida regular, como os bons poetas. Apesar de que ser poeta, para muitos, é sofrer e estampar uma vida íngreme, indigesta e impossível. Se bem que me sinto poeta, porque o sofrer é inerente – esqueci-me de dizer que ser poeta é uma de minhas manias e carências. É o meu sofrimento me faz desandar a escrever coisas que não escreveria bem – suponho. Não posso, ainda assim, me conformar com o mal-estar. Queria, nessa hora em que escrevo, estar bem, comemorando o meu aniversário, do meu modo, com um bolinho e pessoas próximas a me abençoar. Não posso, porque não consigo. Fico invariavelmente triste, sem uma justificativa plausível. Meus amigos sinalizaram que querem preparar uma festinha de aniversário. Não sei como será. Devia pedir para que não a fizessem, mas a minha vergonha, igualmente, é crônica. Participarei com a cara mais lavada, de quem não tem nada com isso; impossível não ser assim, pelas circunstâncias. Preciso me preparar para as mudanças, diz uma tia minha, e pensar positivo, que tudo se resolvera como num passe de mágica. Será que é mesmo assim? Ela entende o meu drama; é idosa – diria ela: “Velha é a mãe! Sou seminova!” –, e sei que não posso questioná-la com mais firmeza. A vontade que eu tenho é de dizer: “se a senhora acha que é assim, muito bem”… como se suportasse um mero contragosto e pudesse afastá-lo da minha vida, tal qual se faz a um pequeno mal. Façamos desta forma: irei expurgá-lo, como deseja, com simples táticas de autoajuda. Não posso confrontá-la. Acato, constrita, triste, mas demonstro que não é bem assim. Ela acha, possivelmente, que é má vontade minha. Não é. Disso bem sei.