Ontem eu falei contigo, mas também sonhei com ela.
Ah! Horrível essa sensação de partitura rasgada ao meio, embora eu entenda que uma música possa ter diversas variações e, mesmo assim, continuar sendo a mesma composição.
Horrível sonhar com segredos que já partiram e que, no entanto, ficam rondando para te dar o bote na primeira ocasião que tu baixas a guarda.
Essa mistura de falar com algo que apenas imaginamos e sonhar com aquilo que já se foi engasga, sabe. Eu até teria te dito isto, mas tu não ias entender nada e ia ficar meio esquisito. Eu detesto dar essa impressão. Já basta a esquisitice que não posso esconder, imagina se começo a falar em músicas partidas e como elas se transformam em fantasmas quando a pessoa não pode acabar o que começou.
E havia uma promessa silenciosa tão imensa, havia uma intensidade muito grande e irrefreável, que me dava um sentimento de que eu era algo diferente, e a sensação de que tudo terminaria de forma agradável. Mas isso não aconteceu. E ai eu entrei numa confusão muito séria e me perdi. Ficou tarde para expulsar as coisas da cabeça.
Agora eu sonho com ela e falo contigo e acabo me sentindo mal. Quem estou traindo?
Acho que é apenas a mim. De qualquer forma, é difícil não querer falar com o que está aqui agora.
Mas, com o declínio do dia chega a noite, evento natural que é impossível impedir. Seria bom se sempre fosse dia ou noite, embora talvez não. Com a noite chega também, invariavelmente, o sentimento de que tudo que se pensou durante a claridade não deveria ter sido sequer cogitado.
E então, sim, então é nesse momento que tudo fica ainda mais complicado. A pessoa fica com a vontade do dia, mas acumula o arrependimento de que não deu um rumo diverso aos pensamentos. Seria mais fácil se a pessoa se decidisse, mas ocorre que, por natureza, há pessoas mais indecisas que outras, ou melhor, não conseguem viver sem estar entre duas opções e não escolher uma delas.
Tem gente que gosta dessa sensação: viver dualmente.
Contudo, se um sonho que se sonha sozinho, não é sonho, é uma impossibilidade, como dizem alguns, me parece que uma sensação que se tem sozinho também deveria seguir essa mesma ordem.
Isso meio que restringiria os movimentos que um ser humano poderia realizar, mas evitaria muito contrassenso. Muito peso nas costas, muitas daquelas frases: ‘eu poderia ter dito isso’, ‘eu poderia ter feito aquilo’, ‘eu poderia ter deixado isso’, etc. e tal.
Infelizmente, não se pode viver de especulações. Sonhos até ajudam a viver, incertezas têm um quê de diversão, expectativas, embora nem sempre alcançadas, dão certo sabor a vida.
Dizem que essas coisas fazem parte de ser humano.
Dizem isso, dizem aquilo, dizem tudo e nada, e nada se explica, porque, no fundo, ninguém sabe certamente o que é ou não ser algo ou outro.
Talvez todos sejam dois, pelo menos nestes tempos de hoje, tão sem definições.
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