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quinta-feira, 9 de maio de 2024

E viveram felizes...


 

“E viveram felizes para sempre” era o final inevitável das histórias que a minha mãe me lia quando eu ainda era demasiado pequena para poder ser eu a lê-las sozinha. Mas mesmo com essa idade, ficava-me uma sensação de inacabado ao ouvi-la e não, não era exatamente por querer que o ritual da leitura antes de dormir se prolongasse, podia sempre pedinchar mais uma história, quase sempre com êxito.

Não era pois isso o que me levava, inevitavelmente, a querer perguntar, “E depois?” Só deixei de o fazer porque isso irritava de tal modo a minha mãe que qualquer esperança de adiar o momento de ficar sozinha no escuro, a tentar dormir, ficava irremediavelmente perdida.

Na altura nunca percebi porquê e continuo a não entender, sempre me pareceu uma pergunta perfeitamente lógica. A Cinderela casa com o seu Príncipe e acaba tudo aí? Não acontece mais nada? Todos os eventos das suas vidas – e eram sempre muitos e bastante envolventes – tiveram lugar antes do “felizes para sempre”?

Acabei, pois, por associar o viver feliz com o fim de qualquer história.

Bom, pelo menos na infância. Já mais crescidinha, com acesso a outro tipo de livros e filmes, descobri uma outra opção, a morte. Sim, os personagens ou morriam ou “viviam felizes” e nada mais se ouvia falar deles. Ou seja, de certo modo, também morriam, pelo menos para quem os acompanhara até aí.

Muito francamente, preferia a primeira, pelo menos era um fim como deve ser, não me ficava aquela sensação de incompleto da segunda variante. E para grande choque e espanto da família, entrei numa de só ler e ver coisas trágicas. Tentaram desviar-me para outro tipo de obras em que o que acontece a seguir fica no ar, mas isso ainda era pior do que o “felizes”, achava que era batota por parte do autor.

A ideia de felizes igual a morte entranhou-se-me de tal modo na alma que jurei por tudo o que me era mais sagrado que nunca me aconteceria, iria, sim, viver em pleno até ao último segundo, custasse o que custasse, fugindo a sete pés dessa tal felicidade que punha fim a tudo. Não que quisesse ser infeliz, entenda-se, acho que ninguém quer isso, pelo menos conscientemente. Queria, claro, ter momentos felizes, mas em áreas restritas da minha vida, quase como uma luz que brilha cercada de neblina e escuridão.

Mais uma vez, pareceu-me perfeitamente lógico. O problema é que caí na asneira de expor esta minha teoria numa pequena reunião de família. Pois, tinha obrigação de saber o que iria acontecer com este nosso clã – sim, não é bem uma família, há clubes com muito menos membros do que os inúmeros primos, tios e quejandos que se mantêm regularmente em contacto.

E, claro, em menos de nada todos tinham ouvido uma versão, mais ou menos fiável, das minhas ideias. Mas alguém me entendeu? É claro que não! Choveram propostas de livros de autoajuda, terapias, tudo e mais alguma coisa que me pudesse ajudar, na opinião de quem o propunha, a sair do fosso em que obviamente me encontrava.

A situação complicou-se ainda mais quando uma prima, não sei em que grau, são tantas que é difícil fixar tudo isso, formada em psicologia decidiu analisar a fundo a minha vida, transmitindo, claro, de imediato as suas conclusões a quem as quisesse ouvir. Foi o fim do mundo!

Confesso que vistos de fora, entre relações quebradas e trocas de emprego, os vários eventos da minha ainda curta vida mais pareciam o percurso de alguém a caminho da autodestruição. E. claro, foi essa a conclusão a que todos chegaram. Ainda se tivessem guardado as suas opiniões para si... Mas não, tornou-se quase o “passatempo nacional” tentar levar-me a mudar o rumo da minha vida.

E quando não o conseguiam, bom, entravam logo no insultozinho, bom, às vezes não tão “inho” como isso. Chamaram-me rainha do drama, sabotadora da vida, cata-vento que tem uma coisa logo quer outra, e isto apenas para citar os mais “suaves”, digamos. Só que nada disto é verdade, quero o que sempre quis desde bem pequena, ou seja, quero um depois que dure até à morte, não quero ter a minha vida abafada pelo algodão xaroposo e asfixiante da felicidade total.

De certo modo até tinham razão ao chamarem-me “sabotadora da vida”. É que quando as coisas começavam a andar bem demais, quer num namoro quer num emprego, e me era difícil distinguir um dia do outro porque tudo decorria sobre rodas, bom, mal dava por ela criava, de imediato, um empecilho que descarrilasse tudo, levando-me a ter, de novo, uma vida cheia de eventos.

No fundo, a minha vida era uma paráfrase da célebre frase, “falem mal, mas falem de mim”, mas na versão, “quero é viver, venham os problemas”. Repito, nada de grave, só aquelas pequeninas coisas que, na minha opinião, dão sal à vida.

Mesmo assim, para bem da harmonia familiar e para evitar os inúmeros telefonemas e mails que recebia sobre o assunto, e que não podia ignorar, a menos que quisesse ter o clã todo à perna,  decidi tentar. E tentei, só eu sei como tentei acreditar que eles é que tinham razão, que eu era apenas uma idiota com ideias estrambólicas e que a felicidade, a tal do “felizes para sempre” é extremamente desejável e enriquecedora, ou seja, algo a que devemos aspirar.

Moderei, pois, a minha fúria de mudança e mantive o mesmo emprego algum tempo, apesar de ser totalmente satisfatório e me deixar dormente de satisfação, leia-se, de felicidade. Mas a relação que então encetei com o Pedro ajudou bastante, com os seus contínuos altos e baixos que, juro, não era por minha culpa, bom, pelo menos não totalmente.

É que tínhamos feitios suficientemente diferentes para haver choques, mas parecidos o bastante para mantermos a relação. Pedro parecia adorar uma boa discussão “para desanuviar o ar”, como dizia, e eu não me deixava ficar, ia logo à luta, o que parecia resultar bastante bem para ambos. Bom, pelo menos a nossa vida a dois não era monótona, muito pelo contrário.

O passo seguinte parecia ser o casamento e, aqui para nós, após três anos juntos, dois deles na mesma casa, todos pareciam pensar que era só uma questão de quando e não de se. E por todos, refiro-me, claro, à minha família, mas também à dele, sobretudo a mãe que já via um futuro cheio de netinhos.

Confesso que hesitei, vieram-me à mente todas aquelas histórias da minha infância, todos os filmes Lifetime que vira para fazer companhia à minha mãe e irmãs. Sabem quais são, rapaz encontra rapariga, odeiam-se e / ou têm todo o tipo de problemas, mas depois caem em si e casam-se – fim da história, ficando subentendo o “felizes para sempre”, claro.

É que com a nossa relação tempestuosa havia o receio, bem lógico, de que, uma vez casados, tudo isso desaparecesse e a vida passasse a ser um mar de rosas... pois, e ainda me acusam de não ser romântica! No mínimo, havia o perigo muito real de tudo se atenuar, vira-o em vários casais da família e de amigos que, após o casamento, tinham entrado numa rotina sem sobressaltos de maior, em absoluto contraste com a sua relação anterior. Pior ainda, afirmavam ser felizes assim.

Não sei se por inércia se por estar farta de tantas indiretas – quando não eram mais do que diretas – acabei por concordar em dar o nó, estipulando, como única condição, nada ter a ver com o dia em si. No fundo, foi um modo de fugir ao inevitável, é que tinha a certeza de que, no entusiasmo de me verem mudar de ideias, todo o clã deitaria mãos à obra e as minhas opiniões pouco ou nada contariam. Assim, o meu papel ficava reduzido, à partida, a aparecer no momento e local escolhidos e no vestido certo, digamos.

O que me leva ao “drama” desta manhã, de recuso a responsabilidade, pelo menos total. A culpa é toda de uma das minhas tias, mais uma vez não sei bem de que género, é que aplicávamos o termo a vários adultos de certa idade e que suspeito que eram, de facto primos. Mas adiante.

A tia em questão vivia bastante longe, por isso raras vezes a víamos, até porque odiava viajar. Mas nunca faltava a casamentos, batizados e, claro, funerais, de que não houvera nenhum há já bastante tempo. Tinha-me, pois, quase esquecido dela, era apenas mais um número entre os muitos convidados.

Só que foi tudo menos isso.

Mal chegou, na véspera bem cedo, para estar fresca para o grande dia – palavras dela – começou imediatamente a querer saber da vida de todos, leia-se, das tragédias e desgraças que poderiam ter ocorrido sem ela saber. E tudo muito bem explicadinho, não era pessoa para se contentar com “Fulano divorciou-se de Sicrana”, nem pensar, com ela só relatórios completos.

Dissecada toda a família, o que levou uma boa parte do dia, sentou-se ao meu lado para o que seria o meu último jantar de solteira. É que por insistência da família voltara para casa uma semana antes, para me manter afastada de Pedro e, segundo o que ouvi dizer, “manter o mistério entre os noivos”...

Conhecendo-a como a conheci, preparei-me mentalmente para uma dissecação total do meu emprego e, sobretudo, da minha vida amorosa. Qual não foi, pois, o meu espanto quando se limitou a dizer-me, com um sorriso de orelha a orelha que deixava bem à vista a caríssima dentadura demasiado branca para parecer natural:

- Sabes, conheci o teu Pedro e gostei muito dele. Tenho a certeza de que vão ser felizes para sempre!

E admiram-se por eu ter rompido o noivado?


Luísa Lopes

Imagem: QuickWrite





sexta-feira, 3 de maio de 2024

141 A


Sequência final

numa casa de 24 m2

com vista de frente

para um beco lateral.

O piso era grosso

antes de eu assimilá-lo,

mas como a vida

permaneceu em

desalinho eu adormeci

deitado de lado e tombado

em lençóis queimados

no espaço entre as camas.

Com uma aliança invisível

na mão direita e um cheiro

forte de esgoto vindo do banheiro.

E pensar que havia promessas

veladas feitas a mim mesmo

no escuro de uma vida desfalcada.

Pinturas metálicas malfeitas

no fundo de um espelho manchado

e de brilho opaco.





sexta-feira, 19 de abril de 2024

Julita

 


Força da vida, a chuva lava as dores. Ou abranda. 19 de março é presságio de boa-nova, na preparação para a quaresma. Se chove no Ceará, é sinal de fartura. Benza deus, que isso se cumpra. Meu pai, num dia desse, se vivo fosse, estaria chorando de felicidade. Quantas vezes não o vi, a caminho do sertão, vendo o mato verdinho, se cobrir de lágrimas. Fui ao sertão há uma semana. Ainda restava uma irmã de meu pai viva, tia Julita, e a sua prole. Quis fazer uma surpresa. Levei um presentinho, uma lavanda, sabendo que ela era vaidosa, mesmo no auge de seus noventa anos. Quando cheguei, a bodega estava fechada. Maria Lúcia, sua filha mais velha, relatou que vinham passando por dias difíceis. Tia Julita havia sido internada na UPA, mas agora estava em casa, de repouso. Em regra, não poderia visitá-la, porque ela não devia se emocionar. Havia algo no coração que a fragilizava. Relembrei-me dos irmãos de papai, três morreram por gravidades no coração; era uma sina desleal, revoltante. Eu mesmo terei de vigiar, desatento que sou, os exames do coração. Já não tenho idade suficiente para brincar. Com muita cautela, tia Julita foi avisada sobre a minha presença, e insistiu que me deixassem entrar. Maria Lúcia, com quem a mãe morava, pediu que eu não me demorasse nas conversas, que ela precisava dormir – não teria dormido a noite passada. Entrei, dei um beijo demorado na sua cabeça, com cheiro de alfazema, e vi duas lágrimas rolarem de seu rosto. “Meu filho, toda vida que você vem me lembro de seu pai. Como você é parecido com ele…”. Comove-me o fato de me parecer com o meu pai, não só na aparência, como nos trejeitos. Vejo-me, repetidas vezes, colocando as mãos por sobre as coxas, enviesadas, como ele fazia em suas paradas para refletir. Tia Julita estava mesmo bastante fraquinha, apesar de sua corpulência. Respirava com ajuda de um aparelho e um cilindro de gás. Lembrei-me do tempo em que chegava em sua casa e era recebido com um abraço forte. Tia Julita me disse, no derradeiro momento, que eu era o sobrinho mais amado. “Não diga isso, titia, tem João, Augusto, Eduardo…”. “Não, você, além de ser bondoso, atencioso, é a cara de meu irmão, que tanto amei. Você é a extensão dele na terra”. Aquilo parecia uma despedida. E foi. Fiquei um dia inteiro com Maria Lúcia, reavivando as nossas travessuras. Comemos, para não perder o costume, a tão famosa galinhada, que Maria Lúcia faz tão bem, como a mãe. Senti que nossos laços ainda estavam preservados. Regressei à casa no fim da tarde e jurei voltar umas tantas vezes até que tia Julita estivesse recuperada. Não deu tempo. Três dias depois estava no mesmo lugar, agora para o seu velório. Como hoje, choveu forte em Oiticica, presságio de tempo bom. Ela foi leve, bendita, e deixou os seus sinais.





quarta-feira, 17 de abril de 2024

Trampolim. Poema de Maitê Rosa Alegretti


Trampolim





um amontoado de sonhos

aproxima-se

são rostos e amarras

desnudas


um vórtice

de palavras anônimas



as ultrapasso

& as sinto



envoltas em um

elástico trampolim

sem cordas



quedam e flutuam

& e com o pensamento

as estico


tentando criar algo

novo



um boneco de argila

repleto de ar


que sem aviso se vai

que sem aviso

não se deixa

entender


*





sábado, 13 de abril de 2024

O encontro/desencontro

 

O encontro/desencontro

JP sentou-se numa mesa, situada num recanto anichado debaixo de uma escada, que dava para a parte superior do salão. Era a primeira vez que tinha entrado naquele estabelecimento para tomar um café e descansar um pouco os pés da caminhada desde a estação do metro até ali.

O cansaço não tinha sido por causa da distância percorrida, que não foi muita, mas por causa da viagem em pé na carruagem que o tinha maçado um pouco.

Aquela estação onde saiu não era o seu ponto de destino, mas naquele dia o Metro vinha à pinha e essa foi a razão que o levou a sair antes do tempo.

Nunca tinha ido àquele lado da cidade e, por isso, não conhecia aquela zona que ainda ficava muito distante da sua área de residência e também do seu local de trabalho, que ficava quase no fim da linha. Digamos que ficou num ponto intermédio entre a origem e o fim.

JP ia tão entretido nestes pensamentos que não viu que a seu lado se tinha sentado uma jovem. Só quando ela, numa voz suave, pediu um chá e uma torrada é que ele despertou para a realidade vivida à sua volta. Olhou para ela e momentaneamente os seus olhares cruzaram-se, mas instantaneamente descruzaram-se e não mais se voltaram a encontrar, durante o tempo que estiveram lado a lado no café, que não foi muito tempo. A jovem, assim que comeu a torrada e bebeu o chá levantou-se e foi-se embora. Ele ainda ali ficou mais algum tempo e depois também foi ao seu destino.

Esta cena passou-se numa quinta-feira de manhã.

O pensamento de JP teimava em voltar ao cruzar dos olhares e por aí se detinha mais tempo do que o que o tempo que tinha acontecido, que foi um cruzar de olhares fugaz, mas, mesmo assim, parece que deixou marcas.

No outro dia voltou ao café, mas a companhia da mesa ao lado não apareceu. Voltou na segunda, na terça, na quarta e na quinta, mas nada, só a mesa ocupada por outras pessoas. Na semana seguinte arriscou voltar ao café na quinta-feira, quinze dias depois, e viu-a sentada na mesma mesa a tomar um chá e a comer uma torrada.

Sentou-se na mesa anichada debaixo da escada e pediu um café. Levou a chávena à boca e olhou para ela. Os olhares voltaram a cruzar-se, mas desta vez o tempo parou o tempo e nele se cruzaram.

Nada mais aconteceu e cada um foi para onde tinha projectado ir.

Quinze dias depois, na quinta-feira, ao encontro dos olhares seguiu-se uma troca de palavras de circunstância, mas que escondiam a promessa de encontro de outras palavras.

O café era muito frequentado e os clientes entravam e saiam ao ritmo dos seus afazeres e ninguém queria saber de ninguém. Quem estava, estava, quem já não estava não deixava rasto. Era a vida a andar numa cidade metropolitana, ninguém reparava no outro, só aqueles dois, a jovem e o jovem, vizinhos circunstanciais de mesa num café, situado num ponto intermédio entre a origem e o fim da viagem.

 Correram tempos e uma quinta-feira os dois jovens saíram juntos e despediram-se no passeio, seguindo cada um o seu caminho. Nada sabiam um do outro, porque as conversas tocavam muitos assuntos, mas nenhum de carácter pessoal. Até àquele momento nenhuma palavra acerca de cada um deles, nenhuma inconfidência. Qualquer rumo de conversa que ousasse entrar em domínios de personalidade era orientada com delicada leveza para outro caminho.

Os encontros continuaram e a relação entre os dois foi-se intensificando. À mesa do café conversavam sobre tudo e mais alguma coisa, nada ficando por dizer. Passaram a saber muito das preferências e gostos: leituras preferidas, filmes e músicas, convicções políticas e religiosas, simpatias clubistas, posicionamento relativamente às questões sociais e políticas.

De uma coisa nunca falaram: Quem é Quem.

A companhia circunstancial deu lugar à amizade que cresceu e se transformou numa relação mais intensa e a intimidade começou a pontear e os afectos começaram a aparecer com toda a naturalidade. Quando a afectividade rompeu as barreiras e a relação de uma maior intimidade se mostrou em toda a sua beleza ela disse:

̶  Vamos continuar com a nossa relação da maneira que ela está. Nenhum de nós vai tentar saber quem é quem, seremos dois amantes que se conhecem um ao outro, mas que não conhecem quem é o outro.

Os anos foram passando e o pacto foi cumprido. Nem nome, nem morada, nem estado civil, nem profissão, nada de nada. Só eles os dois num presente sem rasto de passado.

Durante mais ou menos doze anos os vizinhos da mesa do café encontraram-se todas as quintas f

eiras de quinze em quinze e mantiveram intacta a sua relação amorosa.

Em 2020 o mundo foi assolado por uma pandemia que matou milhões de pessoas.

Numa das quintas feiras de Março de 2020 ela sentou-se na mesa do café e pediu um chá e uma torrada e esperou por ele.

Ele não apareceu nesse dia de quinta-feira e entretanto foi imposto o período de confinamento e o café fechou e o metro parou e as pessoas deixaram de andar na rua.

E assim foi durante meses e meses.

Quando o confinamento acabou, o café abriu, o Metro passou a funcionar e as pessoas saíram para a rua.

As quintas-feiras sucediam-se e ela sentava-se sempre na mesma mesa, pedia um chá e uma torrada e continuava a esperar por ele.

Ele nunca mais se sentou na mesa anichada debaixo da escada, que dava para a parte superior do café.

 

 

 

 

 

 

  

 





terça-feira, 9 de abril de 2024

Jéssica


 

Foi com um suspiro que, infelizmente, já se tornara habitual que Jéssica desligou o despertador e afastou os lençóis. Custava-lhe cada vez mais levantar-se, por muito que tivesse dormido. E, muito francamente, não tinha razões de queixa nessa área, muito pelo contrário. Podia-se até dizer que nunca dormira tanto, mal se deitava, pumba, adormecia logo para só acordar com o estridor do alarme, que fazia questão de usar também aos fins de semana ou arriscava-se a passá-los totalmente a dormir.

Nem sequer era o facto de morrer de tédio no empregozito que arranjara e que mal dava para as suas despesas básicas. Não, o seu tremendo cansaço ia bem mais fundo, abrangia todas as áreas da sua vida, se é que se podia chamar vida ao que tinha: acordar, ir trabalhar, voltar a casa, comer, dormir, repetir, sendo a única diferença o trabalho dar lugar a pasmaceira total aos fins de semana e feriados.

Sim, havia uma ou outra saída casual com amigos, mas por mera rotina, já nada tinham a dizer uns aos outros e nunca acontecia nada de novo que pudesse dar origem a alguma excitação, por muito artificial que fosse.

Pior ainda, não antevia qualquer alteração profunda no resto da sua vida, sabia que acabaria por fazer como os outros, casando-se com um dos elementos solteiros do grupo, não importava qual, para passarem a aborrecer-se a dois. Enfim, uma mera repetição da vida dos pais e de muitos outros por ali, empregos sem futuro, falta de dinheiro crónica e, acima de tudo, falta de entusiasmo pela vida.

Estranhamente, foi precisamente nessa sexta-feira que teve um vislumbre de mudança. Foi, como sempre, ao bar do bairro com o pessoal do costume, apesar de nem gostar de beber. Mas fazia parte da rotina, por isso lá se dispôs a beber uns refrigerantes de fraca qualidade bem mais caros do que os bons do supermercado. Em tempos chegara a fazer as contas a quanto pouparia por mês sem esta e outras saídas “por obrigação”, mas desistira a meio, era demasiado deprimente.

Pois bem, nessa noite havia uma novidade, uma presença nova no grupo. Bom, não propriamente nova, a Carla crescera com eles mas decidira tirar um curso técnico à noite e acabara por arranjar um bom emprego fora dali. Voltara por uns dias para tratar de levar a mãe idosa consigo, uma doença debilitante forçava-a a abandonar o seu lar de muitos anos mas pouco ou nada podia fazer a esse respeito.

A noite já ia avançada quando Jéssica se viu a sós com Carla durante alguns minutos. A conversa derivou, sem que soubesse como, para o curso que permitira à sua ex-colega mudar radicalmente de vida. E o bichinho ficou...

Nos dias seguintes deu consigo a pensar no caso, a tal ponto que foi até procurar informações sobre o que estava disponível, horários, etc. E Carla tinha razão, mesmo com o seu magro ordenado era perfeitamente viável, sobretudo se deixasse as tais saídas entediantes e dedicasse esse tempo e dinheiro aos estudos.

Mas o grande motivo da sua hesitação estava no temor da reação dos outros. Ainda se lembrava do que tinham dito – ela também, claro, quando Carla os largara para “melhorar a vida”, como então dissera. E tinham, de facto, perdido o contacto com ela, aquela noite no bar fora a única exceção em muitos anos.

Por outro lado, a sua vida melhorara de facto, não só financeiramente mas também em termos de qualidade de vida. A fazer fé no que lhe contara, tinha agora amigos a sério e não meros conhecidos que se mantinham em grupo porque tinham crescido juntos. E com uma formação adequada poderia finalmente sair dali, como sempre ansiara fazer, mas de um modo vago e sem esperança.

Após semanas a ruminar, decidiu inscrever-se num curso de apoiante de idosos, é que de acordo com o folheto havia muita procura sobretudo nas grandes cidades e, com a fraca oferta, os salários eram bons.

Os meses que se seguiram foram dolorosos. Nunca fora grande estudante e, para além da parte teórica, o curso tinha uma forte componente prática que, para pessoas como ela, do curso noturno, era dada nos fins de semana. Junte-se a isso a reação mais do que esperada dos seus supostos amigos e o isolamento em que passou a viver por não ter tempo para conviver.

Mas não só, havia ainda uma vozinha interior que nunca se calava e que lhe apontava o disparate de aprender algo com a sua idade, devia era pensar em casar e assentar, quem é que ela pensava que era para querer uma vida diferente da que lhe calhara em sorte?

Pode-se mesmo dizer que de todos os fatores com que teve de lutar, este foi, de longe, o pior, pondo Jéssica à beira de desistir inúmeras vezes, sobretudo quando sabia que o grupo se estava a divertir enquanto ela trabalhava. Nesses momentos esquecia até o imenso tédio que essa suposta diversão sempre lhe causara e o facto de nada ter em comum com os amigos exceto o hábito de estarem juntos.

Mas lá foi labutando até que um belo dia conseguiu o almejado diploma. E ainda antes de se formar oficialmente já tinha uma colocação, numa cidade distante, para tomar conta de uma idosa acamada com quem viveria.

E lá partiu, sem se despedir de ninguém, tinha a certeza de que não notariam a sua falta, tal como não tinham sentido a de Carla tantos anos antes.

Luísa Lopes

Imagem feita com QuickWrite






quarta-feira, 3 de abril de 2024

( )




 Suspenso na tarde

como uma lâmpada queimada

num porão deserto,

figura o lado esquerdo

de um parêntesis aberto.


Seu estado resulta

do itinerário de sombras

em que um homem se perde

na solidão de seus próprios passos,

esquecidos sequer sem deixar uma marca.

 

Sua abertura demonstra

a imperiosidade do erro

que determina sempre

que as flores se abram para cumprir

seu papel de beleza e de decomposição.

 

O parêntesis aberto no escuro

não é senão a necessidade

de se sair do estágio de clausura,

quando se esgota (ou assim se imagina)

a fonte de oxigênio íntimo do ser.

 

Mesmo quando já se sabe

que na asfixia de ele estar fechado

sobrevive pelo menos a sua integridade,

e abri-lo significa a dispersão da energia

que ele guarda de si para si como um transistor.





sexta-feira, 29 de março de 2024

Os Refugiados

 

 
Na Madrugada dos Tempos - Parte 20

 

A guerra é uma parteira: das entranhas do mundo faz emergir um outro mundo.

Não o faz por cólera nem por qualquer sentimento.

É a sua profissão: mergulha as mãos no Tempo,

com a altivez de um peixe que pensa que ele é que faz despontar o mar.

Mia Couto

Escritor e Biólogo moçambicano

Nascido em 1955

 

Mirsulo e a sua comitiva partiram há algumas semanas, levando consigo o ferido Tibaro, agora em franca recuperação.

Para Barinak fora um encontro muito produtivo. Apesar de não terem conseguido saber como fazer o tão desejado cobre, obtiveram um bom acordo com o sal, que seria trocado por pontas de lança e de seta. Além disso, de modo a conseguir trazer mais sal de cada viagem, Mirsulo iria entregar dois burros já domados e levou com ele um homem que iria aprender a lidar com os animais. Seriam pagos com a primeira entrega de oito cestas de um cotovelo de largo e dois de fundo, cheias de sal.

É verdade que socorreram um estranho e fizeram tudo para o ajudar, sem esperar nada em troca, mas essa era a lei de quem habita grandes espaços desertos. A vida é escassa e preciosa, por isso, os humanos devem ajudar-se reciprocamente e, mesmo na caça, só matar aquilo que se planeja comer.

Mergulhado nestes pensamentos, Erem ajudava a abrir a cova para mais um monólito, que chegaria dentro de dois dias. Já se avistava, numa colina a norte, o grupo de dez diligentes homens e mulheres que o fazia rolar sobre troncos. Seria o oitavo, de um total de vinte e quatro. O chefe do clã mudava assim o tema das suas preocupações; a ideia inicial era ter dez monólitos quando fizessem as festas das fogueiras[1], mas estavam com um atraso de dois. Não era grave, mas o décimo monólito seria o representante da estação e não estaria lá.

A festa das fogueiras era uma ocasião importante; seria escolhido um casal de adolescentes que envergaria respetivamente uma pele de auroque macho e uma de fêmea. O macho, ostentando enormes cornos, dançaria com a fêmea e simulariam o acasalamento. As crianças correriam em volta deles atirando as flores colhidas nos dias anteriores, para a união ser abençoada e produza muitas crias para alimentar os humanos. Ao anoitecer, as fogueiras acender-se-iam em vários pontos da aldeia e os jovens, para mostrar a sua força e coragem, fariam saltos mais ou menos acrobáticos por cima delas. Era uma noite de alegria e felicidade onde se festejava o milagre da vida e da fecundidade… naquela noite seriam concebidas algumas crianças que haveriam de nascer ao aproximar-se o fim do inverno. Naci, que partira entretanto para Hatiweik a fim de ir buscar a sua nova esposa, iria apresentá-la a Barinak nessa altura, buscando a bênção de Swol.

Pelo canto do olho, o chefe do clã viu um dos miúdos do grupo de Tailan aproximar-se em corrida.

— Erem! — A voz esganiçava fez-se ouvir ainda antes de parar a corrida. — Estão a chegar… — estava ofegante —… estão a chegar…

— Quem está a chegar? — Ele fingiu um ar aborrecido. — Fala, rapaz!

 — Muita gente… — o miúdo ainda não conseguira recuperar o fôlego —… vem aí muita gente… com trouxas e animais… muitos! Estão a ir para a casa da reunião.

Sem perceber que tipo de invasão seria aquela, Erem meteu-se ao caminho em passos largos, o que resultou num abandono geral do trabalho; todos o seguiram, mortos de curiosidade.

Ao aproximar-se da casa da reunião estremeceu. Havia um grande grupo de pessoas, como o rapaz dissera, com trouxas, crianças e animais. Eram principalmente mulheres, mas havia alguns homens entre elas. Sem contar, eram quase tantos quantos os habitantes de Barinak. Não sabia o que dizer e caminhou entre eles, atordoado, olhando-os e sendo olhado com curiosidade.

— Erem! — Uma voz feminina chamou de entre os estranhos. — És tu, Erem?

Procurou a origem da voz e localizou uma mulher, já entrada nos anos, bastante magra e com o rosto tisnado do sol e coberto de rugas. Havia qualquer coisa de familiar nela.

— Erem! — Ela insistiu. — És mesmo tu! Sou Cira!

O nome acertou-lhe como uma pedrada e uma onda de recordações; era sua tia, uma das irmãs de Birol. Correu a abraçá-la e interpelou-a com uma enxurrada de perguntas. Queria saber que estava ali a fazer, onde estava o resto do clã, quem era aquela gente…

Gradualmente, mais dos habitantes de Barinak apareciam e vinham questionar os recém-chegados. Havia estranheza por verem o seu chefe a conversar alegremente com um deles, mas alguns reconheceram a irmã de Birol e saudaram-na mais ou menos efusivamente.

Cira tinha muito que contar. Com lágrimas nos olhos, começou a narrativa:

“Após nos separarmos, seguimos sempre na direção da nascente do lago salgado. Retomamos a vida nómada, Birol estava obcecado em ver a grande catarata, para desagrado de alguns dos nossos que foram abandonando o clã assim que passávamos perto de alguma povoação.

O lago salgado, porém, crescia imenso a cada mudança de lua. Encontrávamos várias aldeias abandonadas e a terras, começando a salgar, estavam repletas de vegetação morta e despovoadas de pessoas e animais. Começamos a passar fome e o meu irmão não queria ouvir as vozes do clã que diziam para nos afastarmos do lago.

Por fim, chegamos a uma área muito extensa de terras encharcadas. Já não tínhamos comida há alguns dias e a água potável estava a acabar, toda a que nos rodeava era salgada ou cheirava mal. Acabamos por perceber que havíamos percorrido uma grande distância a embrenhando-nos num enorme pântano. A passagem que usamos foi-se estreitando até chegar a um sítio sem saída. A única solução era recuar, virados para Ner[2] até conseguirmos uma passagem que nos tirasse dali.

Birol já estava com febre e sentindo-se fraco há algum tempo. A fome e a sede que passamos naquela armadilha mortal acabaram com ele e com mais uns quantos dos mais fracos. Quando finalmente encontramos uma passagem, estávamos reduzidos a metade dos que começaram e mais mortos que vivos. Logo a seguir encontramos uma nascente de água doce e foi a nossa salvação.

Estávamos desvairados e perdidos, sem saber o que fazer. Retomamos a caminhada seguindo as estrelas-guias até encontrar uma povoação. Mas eles não nos quiseram lá. Tinham um muro de troncos em volta das casas e só nos deixavam montar as tendas no exterior. Podíamos entrar durante o dia, mas ao anoitecer tínhamos de sair.

Aí aconteceu a divisão; o meu irmão mais novo, Okan, revoltado por termos sido guiados numa caminhada para a morte, não quis mover-se mais; perdera a mulher e dois filhos, restava-lhe apenas uma menina. Ficaria ali, o povo da aldeia acabaria por os aceitar. A prima Ezgi e a maioria escolheu continuar para poente. Eu e o meu filho Demir e a mulher, Gizem, decidimos que voltaríamos para trás à tua procura. O Clã do Rio Brilhante, depois de tantos invernos a crescer e a tornar-se um dos maiores, destruiu-se completamente. O crescimento do lago salgado e a insistência louca do meu irmão reduziu-nos a nada.

Depois disso temos caminhado por essa terra imensa até que, no inverno passado, parámos numa povoação chamada Annakos a poente daqui. Já tínhamos ouvido falar de Barinak por caçadores e pastores, que ficava a poucos dias de distância e do seu amado chefe. Embora não soubéssemos o nome, já suspeitávamos de quem se tratava. Mais uns dias e empreenderíamos a viagem para cá. Aconteceu que, uma tribo nómada de Ner atacou a povoação, matou muita gente e roubaram tudo o que puderam levar. Perdemos Demir nesse ataque e acho que toda a população se dispersou, deixando Annakos vazia.

Pela minha parte, se tinha de fugir, que fosse para junto do meu sobrinho e da minha família. Esta gente que me acompanha sabia da minha intenção e resolveu seguir-me. Também eles vieram ao som das histórias do santuário que aqui se constrói e que protege este povo.”

Erem olhou o aspeto desolado daquele grupo, com carinho, mas, ao mesmo tempo preocupação. Era um número muito grande de bocas a alimentar.

Alim chegou, espantado com a quantidade de pessoas que ali via reunidas. Foram chamá-lo que estava junto de Lemi, de quem se tornara muito amigo. Este último não viera porque estava cada vez mais debilitado e já não andava. Tailan apareceu quase a seguir, acompanhado pelos cerca de cinco outros homens que atualmente o seguiam para todo o lado. Falava-se em lutas entre os “estrangeiros” de Barinak, a liderança dele era contestada.

— São nómadas? — Perguntou Alim diretamente a Erem.

— Não. — Respondeu o chefe do clã sem hesitar. — A maioria vem de Annakos, já estive lá, numa das minhas últimas caçadas. — Foram atacados e a aldeia foi destruída.

— Querem ficar aqui? — Tailan mostrou-se desagradado. — Não podemos aceitar tanta gente. Vejam só; quase só mulheres e crianças! Não podemos alimentar tanta gente.

Humilde e pacientemente, o grupo de refugiados mantinha-se praticamente em silêncio. Continuavam sentados no chão, agarrados aos seus pertences, olhando com esperança para os três homens que decidiriam o seu futuro.

— Algumas crianças já são crescidas, já trabalham. A maioria das mulheres são jovens, de certeza que poderão alimentar-se. Trazem alguns homens e alguns animais… — Alim observou, aproveitando o que de bom se conseguiria obter.

— Teremos de ver o que podemos fazer. — Disse Erem pensativamente.

Zia e Nehir aproximaram-se, também surpreendidas com aquela quantidade de estranhos de uma só vez. Ambas reconheceram a velha Cira e logo se abraçaram e beijaram-se, chorando de alegria com o reencontro. A curandeira, no entanto, começou de imediato a verificar entre os refugiados os que estavam feridos ou doentes.

— Mas… — Tailan estava espantado. — Estão mesmo a pensar em aceitá-los? Que faremos a tantas bocas?

— São bocas, mas também são braços e cabeças. — Erem olhou diretamente o amigo. — Estranho que sejas quem mais reclama, quando, também tu, foste um estranho em Barinak.

Ele não gostou de ser recordado e virou o rosto, contrariado, vendo chegar Fikri e Remzi, os filhos de Lemi, chamados da equipa que arrastava o monólito. Sabia serem críticos daqueles que continuavam a chamar estrangeiros e apelou à sua opinião: — Fikri, o teu primo pensa receber esta gente em Barinak. Que te parece?

O visado e o irmão olharam demoradamente para o grupo, aparentando não ter reconhecido a tia, pois eram muito novos quando saíram do Clã do Rio Brilhante. Quando os olhos de Fikri tornaram para o membro do conselho que o questionava, já a habilidade diplomática herdada de Lemi se sobrepunha à sua habitual impulsividade; percebera o conflito e que tinha de tomar uma posição. Ou estava do lado do primo, ou daquele homem, que detestava e admirava ao mesmo tempo.

— Porque está o nobre Tailan preocupado com mais estrangeiros a chegar aqui? — Ele colocou o braço sobre o ombro do irmão mais novo para que este não se manifestasse. — Todos sabem a minha opinião, não ma pediram quando vos aceitaram, mas também não era necessário, porque Erem é o nosso chefe e confiamos nas suas decisões. — Exibiu um pequeno sorriso para o primo. — Além de tudo, apesar de eu não gostar, os estrangeiros em Barinak têm sido muito úteis.

— Veremos o que dirá Naci quando regressar. — Respondeu Tailan com azedume.

— O meu filho, foi buscar a sua nova esposa fora do clã. — Ripostou Erem. — De resto, também pessoas do teu povo procuraram homem ou mulher entre nós e os nossos entre os vossos. Não defendias tu a união?

O rosto de Tailan fechou-se contrariado e cruzou os braços sobre o peito. Sempre fora um homem impressionante, que respirava energia e liderança. Agora, permanentemente seguido pelos seus protetores, estava habituado a que a sua vontade se impusesse sem necessidade de se justificar.

— Entre os nossos povos, sim. — Ele respondeu lentamente, sopesando cada uma das suas palavras. — Entre aqueles que vivem, nascem e crescem em Barinak.

Zia aproximou-se, entretanto, sentindo a tensão que se formava. Mesmo que inconscientemente, Tailan e o seu séquito estavam perfeitamente agrupados frente a frente com os vários elementos do Clã do Leão das Montanhas.

— Verás, que será bom para todos. — Erem deu um passo em frente e pousou conciliadoramente a sua mão sobre o braço de Tailan. — Não vês aqui novas esposas para os nossos homens? Crianças que em pouco tempo serão caçadores, pastores, pescadores? Mais braços para ajudar a construir o santuário. Em breve não se distinguirão de nós.

— O que eu vejo, — o chefe dos estrangeiros replicou com uma careta e sem perder a pose defensiva —, é uma grande quantidade de bocas a alimentar e um grupo perseguido por inimigos. Sabe se virão atrás deles? Eu não os quero junto de mim. — Com esta sentença, virou costas e afastou-se rudemente, seguido pelo séquito de guarda-costas.

Erem olhou para Zia, que se mantivera calada todo o tempo e depois tornou para o grupo que se afastava. Tailan, porém, ainda tinha mais um aviso e interrompeu brevemente a marcha para o fazer: -- Devias estar preocupado era em preparar para te defenderes, em vez de construir um santuário e estar a receber quem não se pode defender sozinho.



[1] Correspondia aproximadamente à primavera

[2] Norte

         
    

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Manuel Amaro Mendonça

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