FLOR DO DESERTO
Para Malala Yousafzai,
Sazia Ramazáne Kainat Riaz
menina-flor do deserto,
deserto que de si não sai.
(Deserto de homens
desertos.)
Afeganistão,
Paquistão
rimam com
alcorão,
assim como
islã
rima com
talibã.
Mas entre as rimas
não está
o direito de matar.
Seja em nome
de
Deus,
seja em nome
de
Alah.
E Malala é mais
que uma rima.
Malala é uma
flor-menina,
que viceja,
feito prece,
onde a vida
fenece.
Mas Malala
rima
com bala.
(A bala
que atingiu
Malala.
A bala
que feriu
a razão
na rima
Afeganistão.)
Mas a bala
não matou
Malala.
“A bala matou
o meu medo.”
Disse Malala
– em degredo –,
lá no Plenário
da ONU.
Com o xador
de Benazir Bhutto,
a menina
fechou seu luto
pelas tantas
Malalas anônimas
em seu
Vale do
Swat.
Malala só queria
o que toda menina faz:
estudar, dia após dia.
Ela e Sazia Ramazán
e Kainat
Riaz.
E tantas Sazias
e Kainats
do triste Vale
do
Swat.
(Deserto de homens
desertos.)
Lá,
onde os terríveis drones
(aviões fantasmas,
sem
homens)
cospem fatídicas balas
sobre as
Sazias,
Kainats
e
Malalas.
Lá mesmo,
no vale da morte,
onde talibãs,
com zelo,
recrutam meninos
incautos,
em homens-bomba
convertê-los,
com a promessa
de um céu
(quando o que mais queriam
era jogar futebol,
ou brincar
de cabra-cega,
ou algo
equivalente
que para
sempre
se perdeu).
Mas no Vale do Swat
(aliás,
vale da morte)
brincadeira de criança
é o treinamento de suicidas
nos campos do
Waziristão
Norte.
Aqueles pobres meninos,
esquálidos,
franzinos,
de doze ou treze anos,
sem shopping
nem
internet,
empunham
metralhadoras
em vez de i-pods
ou
canetas,
nas areias do deserto.
(Deserto de homens
desertos.)
Mas Malala,
com astúcia,
criou um
pequeno blog,
sob um nome diferente,
para gritar a sua angústia
e de toda a sua gente
aos quatro cantos
do
mundo.
O que ela queria,
de
fato
– para si
e os conterrâneos –,
era só o desiderato
de brincar e estudar.
(Essa inalienável
meta
de meninos
e meninas
de qualquer lugar
do
planeta.)
E a bala
que não matou
Malala
(mas feriu de morte
a
razão)
ricocheteou lá na ONU
e ecoou mundo afora,
atingindo-nos, então.
Agora somos
Malalas,
Sazias
e
Kainats,
e nossos corações
pulsam
lá no Vale do Swat.
E, apesar das ameaças
dos radicais talibãs,
sabemos que
ainda é possível
vislumbrar um novo
amanhã.
Edelson Nagues
V Festival de Poesia Falada de São Fidélis/RJ.
6 comentários:
Adorei, Edelson! Viva as Malalas que ainda (r)existem!
Obrigado pela leitura, Mario. Realmente, essa menina tem dado uma bela lição a todos nós. Viva Malala!
Poema com a sua marca, Edelson, a marca da excelência. É de tirar o fôlego de tão triste, tão doloroso e pungente. Já disse e repito, Poeta, o mundo precisa conhecer sua obra. Malala precisava ler isso e espalhar por aí.
Hoje cedo não consegui comentar do Ipad. Aproveito a hora aqui em casa para dizer: show, show, show! Ave, Edelson!
Mto obrigado, Cecilia e Cinthia, pelas palavras generosas com que vcs sempre me brindam. O apoio de vcs tem sido fundamental para que eu continue na lida literária, com suas frustrações e alegrias. Abraços. (Postei ontem, mas não apareceu aqui.)
Muito bom, Edelson! Seleção impecável de palavras e de imagens.
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