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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

FLOR DO DESERTO


FLOR DO DESERTO

 
Para Malala Yousafzai,
                                                                  Sazia Ramazán
                                                                  e Kainat Riaz

 
Malala Yousafzai,

menina-flor do deserto,

deserto que de si não sai.

 

(Deserto de homens

                        desertos.)

 

Afeganistão,

           Paquistão

rimam com

            alcorão,

assim como

            islã

rima com

            talibã.

 

Mas entre as rimas

        não está

o direito de matar.

Seja em nome

                 de Deus,

seja em nome

                 de Alah.

 

E Malala é mais

      que uma rima.

Malala é uma

      flor-menina,

que viceja,

      feito prece,

onde a vida

              fenece.

 

Mas Malala

rima

com bala.

(A bala

que atingiu

Malala.

 

A bala

que feriu

a razão

na rima

Afeganistão.)

 

Mas a bala

não matou

Malala.

 

“A bala matou

o meu medo.”

Disse Malala

 – em degredo –,

lá no Plenário

       da ONU.

 

Com o xador

de Benazir Bhutto,

a menina

fechou seu luto

pelas tantas

Malalas anônimas

      em seu

           Vale do Swat.

 

Malala só queria

o que toda menina faz:

estudar, dia após dia.

Ela e Sazia Ramazán

             e Kainat Riaz.

E tantas Sazias

             e Kainats

do triste Vale

                   do Swat.

 

(Deserto de homens

                   desertos.)

 

Lá,

onde os terríveis drones

(aviões fantasmas,

               sem homens)

cospem fatídicas balas

sobre as

      Sazias,

            Kainats

                  e Malalas.

 

Lá mesmo,

no vale da morte,

onde talibãs,

           com zelo,

recrutam meninos

                 incautos,

em homens-bomba

                convertê-los,

com a promessa

           de um céu

(quando o que mais queriam

            era jogar futebol,

            ou brincar de cabra-cega,

            ou algo equivalente

            que para sempre

                         se perdeu). 

 

Mas no Vale do Swat

(aliás,

vale da morte)

brincadeira de criança

é o treinamento de suicidas

nos campos do

          Waziristão Norte.

 

Aqueles pobres meninos,

          esquálidos,

                       franzinos,

de doze ou treze anos,

sem shopping

          nem internet,

empunham

metralhadoras

em vez de i-pods

                 ou canetas,

nas areias do deserto.

 

(Deserto de homens

                  desertos.)

 

Mas Malala,

com astúcia,

criou um

pequeno blog,

sob um nome diferente,

para gritar a sua angústia

e de toda a sua gente

aos quatro cantos

               do mundo.

 

O que ela queria,

                 de fato

– para si 

e os conterrâneos –,

era só o desiderato

de brincar e estudar.

(Essa inalienável

                       meta

de meninos

             e meninas

de qualquer lugar

               do planeta.)

  

E a bala

que não matou

                Malala

(mas feriu de morte

                a razão)

ricocheteou lá na ONU

e ecoou mundo afora,

atingindo-nos, então.

 

Agora somos

Malalas,

           Sazias

                  e Kainats,

e nossos corações

        pulsam

lá no Vale do Swat.

 

E, apesar das ameaças

dos radicais talibãs,

sabemos que

ainda é possível

vislumbrar um novo

                       amanhã. 

 

 

Edelson Nagues

 
Poema classificado em 2º lugar no

V Festival de Poesia Falada de São Fidélis/RJ.

 

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Edelson Nagues
(nome literário de EDELSON RODRIGUES NASCIMENTO) é natural de Rondonópolis/MT e radicado em Brasília/DF. Estudou Direito e Filosofia, com pós-graduação em Língua Portuguesa. É poeta, escritor, revisor de textos e servidor público. Na década de 1980 e início da década seguinte, em seu estado de origem, atuou na área musical, como vocalista e principal letrista do Grupo Reciclagem, tendo participado de vários festivais universitários e de festivais regionais e nacionais da Caixa Econômica Federal, obtendo diversas premiações, inclusive como intérprete e letrista. Na época, funcionário da CEF, atuava como representante do então recém-criado Conjunto Cultural (hoje denominado Caixa Cultural) em Mato Grosso. Premiado e/ou selecionado para coletâneas em vários concursos literários, entre os quais se destacam: Concurso Nacional de Poesia “Adilson Reis dos Santos” (2012, Ponta Grossa/PR), XXXIII Concurso “Fellipe d’Oliveira” (2011, Santa Maria/RS), Prêmio Prefeitura de Niterói (2011), XXI Concurso Nacional de Contos “José Cândido de Carvalho” e XII FestiCampos de Poesia Falada (ambos em 2011, Campos dos Goytacazes/RJ), Concurso Novo Milênio de Literatura (Vila Velha/ES, 2010), IV Concurso Nacional de Contos do SESC-Amazonas (2010, Manaus/AM), VI Desafio dos Escritores (Brasília/DF, 2010), XL Concurso Literário “Escriba” (Piracicaba/SP, 2009). É autor dos livros Humanos (coletânea de contos premiados) e Águas de Clausura (de poesia, vencedor do X Prêmio Livraria Asabeça), ambos publicados pela Scortecci Editora. É membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (de Cachoeiro de Itapemirim/ES) e mantém (ou tenta manter) o blog pessoal www.senaoescrevodoi.blogspot.com.
todo dia 03


6 comentários:

Adorei, Edelson! Viva as Malalas que ainda (r)existem!

Obrigado pela leitura, Mario. Realmente, essa menina tem dado uma bela lição a todos nós. Viva Malala!

Poema com a sua marca, Edelson, a marca da excelência. É de tirar o fôlego de tão triste, tão doloroso e pungente. Já disse e repito, Poeta, o mundo precisa conhecer sua obra. Malala precisava ler isso e espalhar por aí.

Hoje cedo não consegui comentar do Ipad. Aproveito a hora aqui em casa para dizer: show, show, show! Ave, Edelson!

Mto obrigado, Cecilia e Cinthia, pelas palavras generosas com que vcs sempre me brindam. O apoio de vcs tem sido fundamental para que eu continue na lida literária, com suas frustrações e alegrias. Abraços. (Postei ontem, mas não apareceu aqui.)

Muito bom, Edelson! Seleção impecável de palavras e de imagens.

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