É chegada a hora de reler o que ficou escrito de nós nas 360 linhas
do ano que finda. E agradecer os ganhos, e assimilar as perdas, e
seguir em frente. Daqui a pouco as 360 linhas de 2014 se desdobram à
nossa frente, convocando-nos a seguir traçando o nosso caminho, com
coragem e com esperança. E só há um caminho a seguir: o que leva a
nós mesmos.
Traçar o caminho até chegarmos a ser nós mesmos exige
desembaraçarmo-nos de alguns nós, desviarmo-nos de algumas pedras.
No meio de todo caminho não faltam pedras. E se elas dificultam o
traço, não o podem impedir. É preciso olhar para os nós e as
pedras do caminho com aquela determinação de o-que-vier-eu-traço.
Mesmo cheios de nós, temos de traçar nosso caminho entre as pedras.
Porque, entre nós e pedras, só se tem um caminho: o caminho que nos
faz ser quem a gente está destinado a ser. E “isso de querer ser
exatamente o que a gente é, ainda vai nos levar além” (Paulo
Leminski). Dependendo das pedras do caminho, a gente faz o caminho
das pedras aos trancos e barrancos. E dependendo do caminho que se
queira fazer, não há pedra que nos faça desistir. Se as pedras são
muitas, é só dotarmos de muitas curvas os nossos traços. Às vezes
se chega a um destino em linha reta. Noutras, só as linhas curvas
nos levam a ele. Dispondo curvas no caminho, no fim do percurso
poderemos ter traçado um círculo perfeito. O fim e o princípio
interligados anunciam que cumprimos com perfeição o destino de
sermos o que somos. Não é sempre que partida e chegada se encontram
no ponto exato, que as paralelas do infinito se tocam na curva do
tempo. Isso é mistério maior que se encerra em si mesmo. De
qualquer modo, não importa se caminhamos por linhas retas ou tortas,
ou se por mal traçadas linhas, ou se seguimos os traços invisíveis
de algum arquiteto maior. No fim do caminho, com todas as pedras pelo
meio, há um único fim: ser quem a gente é. E se o caminho de quase
todos nós está cheio de nós, como já ficou dito, desatá-los
para, enfim, sermos nós mesmos, é nossa missão de caminhantes. O
mapa do caminho só se conhece ao fim da caminhada. E a caminhada se
faz passo a passo, traço a traço, obedecendo ao compasso do
destino. Longa ou breve no tempo, a caminhada nos leva sempre a nós
mesmos. Caminha-se uma vida inteira para um encontro marcado: o
encontro com quem somos. O certo é que não nos perdemos de nós. E
nem perdemos os nós. Sermos nós, desatar nós, desatar-nos: eis o
que nos faz ser nós mesmos. Nós no caminho não deixarão de
existir. Viver é esse constante ata e desata. Até o desenlace
final. Livres de nós, viramos poeira de estrelas, traço de luz no
infinito.
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