Homero Gomes
Aos três reis magos.
Era um 38 preto cortado na serrinha. Comprei de um colega do trabalho,
com o número de série raspado. Depois da compra, meu passatempo era limpar e
dar uns tiros nos terrenos baldios do bairro. Mas em casa fazia diferente.
Eu e meu irmão esperávamos a ceia de Natal ficar pronta.
Carreguei o tambor do revólver com apenas uma bala e propus um jogo.
Pensei que meu irmão não toparia a provocação. Topou.
Então, girei o tambor, encostei o cano da arma no meu peito. Com rapidez
apertei o gatilho. Senti minha coluna gelar.
Não houve disparo.
Entreguei o revólver para meu irmão que, depois de girar o tambor,
posicionou o cano na orelha direita. Apertou o gatilho com um sorriso nervoso
na boca.
Não houve disparo.
Ele estendeu a arma para mim, tremendo. Segurei com firmeza e girei o
tambor três vezes, tentando esconder a bala. Apertei o gatilho, apontando para
o céu da boca.
Não houve disparo.
Com um sorriso cínico devolvi o revólver a meu irmão, que girou várias
vezes o tambor, posicionando a arma no meio da testa.
Houve algo como um disparo.
Mas da arma não saía fumaça. Nem luz nem estampido. Dela ecoou uma nota aguda,
como a de uma corda de guitarra arrebentando.
Peguei a arma da mão dele para ver o que havia de errado. Nada. Tudo
normal. A bala ainda estava intacta.
Rodei o tambor novamente, coloquei o cano no meu pescoço. Eu hesitava.
Sentia meu rosto quente. Minha mão tremia.
Vamos, não vá parar agora.
A provocação me deixava mais tenso. Sem respirar, apertei o gatilho. A
nota aguda se repetiu. Mas foi só.
Meu irmão pegou a arma. Falei que já era o suficiente, a mãe já vai nos
chamar para cortar o peru. O jogo estava perdendo a graça.
Mas ele não deu atenção. Sem girar o tambor, apertou o gatilho.
A arma disparou no olho direito.
O estouro do projétil foi silencioso. A bala penetrou sem resistência. Não
houve sequer um gemido. Da ferida saía fumaça.
A arma dissolvida em um líquido viscoso e negro. Depois, o braço do meu
irmão, o tórax, as pernas, a cabeça e os dentes, que formaram um sorriso
desigual no piche que cobria o carpete.
O dissolver da morte é uma água negra.
Ouvi minha mãe nos chamar para dar início à ceia. Ao fundo, meu pai
gorgolejava "Jingle Bells". No chão, a sombra do meu irmão secava.
Enquanto pensava no que havia acontecido e no que deveria contar aos meus
pais, a porta do quarto foi se abrindo e um vulto colorido se formou no
batente.
Você vem ou não?
Era meu irmão, que naquela noite de Natal libertou-se
de sua sombra, dissolvendo a morte com um sorriso desigual sobre o carpete.
2 comentários:
Uou!
PQP!
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