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sábado, 20 de julho de 2013

UM TAPA NO TAPETE

                                                             José Guilherme Vereza e Antonio Engelke

Primeiro foram as luzes. Depois as mãos e os pés, simultaneamente. Marita gostava de ser rainha.
Súditos acariciando seus dedos longos e bem feitos, seus calcanhares macios, sua cútis bem tratada,
seus ombros e escápulas receptivas a cremes reconfortantes. Gostava de relaxar. Não de trabalho em si,
mas do stress invisível, ocioso e cotidiano. Mas o ritual mais importante da tarde regada a prosecco
e petit fours estava para acontecer.

- Posso entrar?

A atendente de costas responde no piloto automático.

- Faz favor. Pode pendurar as roupas ali no cabide. Só deitar de barriga pra cima, faz favor.

Marita tira a saia e a calcinha, deixa a taça de prosecco quase vazia numa mesinha e deita-se
na maca. Quando acaba de preparar a cera, a atendente vira-se. Momento susto. Momento constrangimento.
Marita instintivamente cobre o sexo com as duas mãos ainda umedecidas de creme e esmalte carmim.

- Néti!!!???
- Dona Marita!!!???
- O que você tá fazendo aqui, Néti?
- Buço, axila, perna, virilha, púbis, grandes lábios e ânus. A senhora escolhe.

Momento constrangimento mais intenso.

- Não, Néti... É que você era, quer dizer, eu estava acostumada a te ver como doméstica... . 
- Pois é, desde que a senhora me mandou embora, eu vim trabalhar aqui. E então, 
a senhora vai querer o quê?
- Néti, desculpa, não sei se eu me sinto à vontade, acho que não vou...
- Ocasião especial? Aniversário de casamento com o Seu Sergio?
- Não, não...
- Arrumou amante, então?
- Que isso! Não, pelo amor de Deus, eu ...
- Ahhhh! Veio só dar uma aparada na Claudia Ohana.
- Hã? 
-  É, um capricho no gramado, um tapa no tapete. 
-  Sei lá... sei lá... tirei a tarde para cuidar de mim.
- Só na frente? Ou vai querer atrás também?
- Como?
- Só do ladinho, na virilha, ou vai querer fazer o cu também?
- Que horror!Vou me embora! Vou falar com a gerente!
- Vai não senhora. Sua saia está aqui presa no cabide. Dei um nó, viu? E não foge do assunto. 
A senhora nunca fez o cu, Dona Marita?

Marita trêmula sobre a maca. Suores caem pela testa. Lá se vai a massagem facial.

- Não, nunca.
- Tem que fazer o cu. Homem não gosta de cu peludo não.

Marita se rende. Finge que vai relaxar.

- Mas... e os gays?
- Tudo de cu lisinho. Faço um monte aqui todo dia. Alguns fazem até um tal de “britin”.
- Bri... o quê?
- Um tipo de clareamento. Pra rosquinha ficar rosinha de novo. A senhora sabe, quanto mais 
o tempo passa, mais a rodela  vai escurecendo. Vai ficando com cor de brigadeiro. 
Mas vamo lá. Vou tirar dos ladinhos, aqui e aqui, vai ficar ótimo... 
Certeza que não quer que faça um desenho, um coraçãozinho, um S, de Seu Sergio?
- Néti, eu ainda não sei se me sinto muito confor...

Neste momento, Néti levanta sem cerimônia as duas mãos protetoras de Marita,
até então tropa de choque do pudor e do recato.

- Benza Deus! Dona Marita! Parece uma ostra atropelada, um mexilhão fazendo careta. 
Ta precisando mesmo de uma geral, hein? Xácumigo. Vai ficar, estilosa, vai ficar linda..

Neti puxa bruscamente o primeiro papel de cera.

- ..aaaaaaiiii!
- Tudo bem, Dona Marita? Agora aqui ó, do outro lado... suave... suave. 
Mas me conta. Seu Sergio tá bem? 
- Áaaaaaaiiii ... uuuhh ... tá ótimo.
- Ótimo o quê? O contorno que estou fazendo ou o Seu Sergio?
- Os dois, Néti, os dois. Áaaaai...
- E a Dona Malu? 
- Áaiiiii... ma-mãe-tá-bem-tam-bém, obrigaaaaaaaiiiiii..
- Família toda boa? 

Marita soluça pra dentro. Lágrimas borram o rímel..

- To-to do mundo bem, gra-ças a De-deus.
- Agora eu vou pedir que a senhora vire de costas, Dona Marita.
- De costas?
- É, de costas. Pega as mãozinhas, assim, separa as banda.  Isso. Mas abre bem, abre tudo.
- Peraí... Só respirar um pouquinho. Néti, não me leve a mal não, mas... ui... 
você tá feliz trabalhando aqui? 
- Não é o melhor emprego do mundo, né, Dona Marita? A gente vê cada coisa feia... 
mas também a gente não precisa aturar patroa que fica pedindo lanchinho às onze da noite, 
reclamando o tempo todo que a casa tá suja, vigiando o telefone, passando o dedo na poeira 
das molduras, na prataria, gritando que a roupa tá mal passada... aquilo me machucava tanto, 
Dona Marita... 

A partir daí, o silêncio imperou. Terminado o serviço, Marita se vestiu apressada e ofegante,
e as duas se despediram sem olhares. Néti estufou o peito, levantou as narinas:

- Dona Marita, leva sua taça suja de batom pra copa. Pode dar barata no meu cantinho.

*****
Em casa.
Marita sai do banho embrulhada numa fofura de roupão.
Deita na cama com a estranha sensação de que o dia de glamouroso a sofrido prenunciava
uma noite de delícias inéditas. Quando pressente a presença do marido abrindo a porta,
abaixa a luz do abajur, joga o roupão às favas, vira-se de bruços e se abre oferecida.

A penumbra endoida Sergio.
- Néti? 

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José Guilherme Vereza
Carioca, botafoguense, pai de 4 filhos. Redator, publicitário, professor, roteirista, escritor, diretor de criação. Mais de mil comercias para TV e cinema. Uma peça de teatro: “Uma carta de adeus”. Um conto premiado: “Relações Postais”. Um livro publicado “30 segundos – Contos Expressos”. Mais de 3 anos na Samizdat. Sempre à espreita da vida, consigo modesta e pretensiosamente transformar em ficção tudo que vejo. Ou acho que vejo. Ou que gostaria de ver. Ou que imagino que vejo. Ou que nem vejo. Passou pelos meus radares, conto, distorço, maldigo, faço e aconteço. Palavras são para isso. Para se fingir viver de tudo e de verdade.
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