UM TAPA NO TAPETE

                                                             José Guilherme Vereza e Antonio Engelke

Primeiro foram as luzes. Depois as mãos e os pés, simultaneamente. Marita gostava de ser rainha.
Súditos acariciando seus dedos longos e bem feitos, seus calcanhares macios, sua cútis bem tratada,
seus ombros e escápulas receptivas a cremes reconfortantes. Gostava de relaxar. Não de trabalho em si,
mas do stress invisível, ocioso e cotidiano. Mas o ritual mais importante da tarde regada a prosecco
e petit fours estava para acontecer.

- Posso entrar?

A atendente de costas responde no piloto automático.

- Faz favor. Pode pendurar as roupas ali no cabide. Só deitar de barriga pra cima, faz favor.

Marita tira a saia e a calcinha, deixa a taça de prosecco quase vazia numa mesinha e deita-se
na maca. Quando acaba de preparar a cera, a atendente vira-se. Momento susto. Momento constrangimento.
Marita instintivamente cobre o sexo com as duas mãos ainda umedecidas de creme e esmalte carmim.

- Néti!!!???
- Dona Marita!!!???
- O que você tá fazendo aqui, Néti?
- Buço, axila, perna, virilha, púbis, grandes lábios e ânus. A senhora escolhe.

Momento constrangimento mais intenso.

- Não, Néti... É que você era, quer dizer, eu estava acostumada a te ver como doméstica... . 
- Pois é, desde que a senhora me mandou embora, eu vim trabalhar aqui. E então, 
a senhora vai querer o quê?
- Néti, desculpa, não sei se eu me sinto à vontade, acho que não vou...
- Ocasião especial? Aniversário de casamento com o Seu Sergio?
- Não, não...
- Arrumou amante, então?
- Que isso! Não, pelo amor de Deus, eu ...
- Ahhhh! Veio só dar uma aparada na Claudia Ohana.
- Hã? 
-  É, um capricho no gramado, um tapa no tapete. 
-  Sei lá... sei lá... tirei a tarde para cuidar de mim.
- Só na frente? Ou vai querer atrás também?
- Como?
- Só do ladinho, na virilha, ou vai querer fazer o cu também?
- Que horror!Vou me embora! Vou falar com a gerente!
- Vai não senhora. Sua saia está aqui presa no cabide. Dei um nó, viu? E não foge do assunto. 
A senhora nunca fez o cu, Dona Marita?

Marita trêmula sobre a maca. Suores caem pela testa. Lá se vai a massagem facial.

- Não, nunca.
- Tem que fazer o cu. Homem não gosta de cu peludo não.

Marita se rende. Finge que vai relaxar.

- Mas... e os gays?
- Tudo de cu lisinho. Faço um monte aqui todo dia. Alguns fazem até um tal de “britin”.
- Bri... o quê?
- Um tipo de clareamento. Pra rosquinha ficar rosinha de novo. A senhora sabe, quanto mais 
o tempo passa, mais a rodela  vai escurecendo. Vai ficando com cor de brigadeiro. 
Mas vamo lá. Vou tirar dos ladinhos, aqui e aqui, vai ficar ótimo... 
Certeza que não quer que faça um desenho, um coraçãozinho, um S, de Seu Sergio?
- Néti, eu ainda não sei se me sinto muito confor...

Neste momento, Néti levanta sem cerimônia as duas mãos protetoras de Marita,
até então tropa de choque do pudor e do recato.

- Benza Deus! Dona Marita! Parece uma ostra atropelada, um mexilhão fazendo careta. 
Ta precisando mesmo de uma geral, hein? Xácumigo. Vai ficar, estilosa, vai ficar linda..

Neti puxa bruscamente o primeiro papel de cera.

- ..aaaaaaiiii!
- Tudo bem, Dona Marita? Agora aqui ó, do outro lado... suave... suave. 
Mas me conta. Seu Sergio tá bem? 
- Áaaaaaaiiii ... uuuhh ... tá ótimo.
- Ótimo o quê? O contorno que estou fazendo ou o Seu Sergio?
- Os dois, Néti, os dois. Áaaaai...
- E a Dona Malu? 
- Áaiiiii... ma-mãe-tá-bem-tam-bém, obrigaaaaaaaiiiiii..
- Família toda boa? 

Marita soluça pra dentro. Lágrimas borram o rímel..

- To-to do mundo bem, gra-ças a De-deus.
- Agora eu vou pedir que a senhora vire de costas, Dona Marita.
- De costas?
- É, de costas. Pega as mãozinhas, assim, separa as banda.  Isso. Mas abre bem, abre tudo.
- Peraí... Só respirar um pouquinho. Néti, não me leve a mal não, mas... ui... 
você tá feliz trabalhando aqui? 
- Não é o melhor emprego do mundo, né, Dona Marita? A gente vê cada coisa feia... 
mas também a gente não precisa aturar patroa que fica pedindo lanchinho às onze da noite, 
reclamando o tempo todo que a casa tá suja, vigiando o telefone, passando o dedo na poeira 
das molduras, na prataria, gritando que a roupa tá mal passada... aquilo me machucava tanto, 
Dona Marita... 

A partir daí, o silêncio imperou. Terminado o serviço, Marita se vestiu apressada e ofegante,
e as duas se despediram sem olhares. Néti estufou o peito, levantou as narinas:

- Dona Marita, leva sua taça suja de batom pra copa. Pode dar barata no meu cantinho.

*****
Em casa.
Marita sai do banho embrulhada numa fofura de roupão.
Deita na cama com a estranha sensação de que o dia de glamouroso a sofrido prenunciava
uma noite de delícias inéditas. Quando pressente a presença do marido abrindo a porta,
abaixa a luz do abajur, joga o roupão às favas, vira-se de bruços e se abre oferecida.

A penumbra endoida Sergio.
- Néti? 

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