Será possível alguém sentir
saudades daquilo que não vivenciou? Por mais estranho que pareça, eu sinto,
pois sempre me lembro com nostalgia da Copa do Mundo que, com meros quatro anos
de idade, eu não vi. Ele foi disputada no México, 1970, quando onze homens vestiram
a camisa amarela da seleção brasileira e juntos elevaram o futebol à categoria
de obra de arte.
Esqueçam tudo o que ouviram falar do governo Médici, seus
porões sangrentos e a utilização do futebol como massa de manobra para manter o
povo alienado e em seu lugar. Ignorem milagres econômicos, Guerra do Vietnã ou
o movimento hippie. Ponha um DVD da Copa de 70 em seu aparelho e foque apenas as quatro linhas que demarcaram o campo de batalha do Estádio Jalisco,
na cidade de Guadalajara. Naquele longínquo mês de junho, o “scratch canarinho”
como era carinhosamente chamada a seleção, apresentou um espetáculo
futebolístico nunca visto antes e quiçá impossível de ser reapresentado pois, a
despeito do futebol haver mudando tanto em disciplina tática quanto nos
aprimoramentos físico e técnico, as peças do xadrez eram outras, e de qualidade
infinitamente superior ao que vemos hoje.
Para começar, havia um deus de
ébano no esplendor de sua forma física, tecnicamente perfeito e amadurecido nos
seus trinta anos de idade. Pelé, simplesmente o Rei, que conseguiu a façanha de
ficar eternizado na Copa em que foi magistral não pelos gols assinalados, mas
pelos perdidos. Veja, reveja e deslumbre-se com o seu chute do próprio campo
contra a meta adversária e o desespero
do goleiro theco, ou a clássica cabeçada defendia pelo inglês Gordon Banks,
jogada responsável pela fama do arqueiro da seleção inglesa por muitos anos, ou
ainda a incrível, fantástica, esteticamente maravilhosa meia-lua sem tocar na
bola contra um goleiro uruguaio de prosaico nome polonês. No México Pelé foi
perfeito, um maestro acompanhado pelo spalla Tostão, talentoso meia do Cruzeiro
que meses antes sofrera um grave descolamento de retina e, do inferno a
redenção, brilhou em terras aztecas. Justamente no confronto mais difícil,
contra o “English Team”, consagrado campeão do mundo quatro anos antes, Tostão
deixou sua marca em uma jogada individual pelo lado esquerdo onde, após
provocar um salseiro, passou a bola para Pelé que, com um simples toque para
lado, deixou Jairzinho livre para decretar a magra, contudo heroica vitória por
um a zero.
Como esquecer de Jairzinho, o
Furação da Copa? Seis jogos, seis gols, façanha nunca antes alcançada, nosso
camisa sete levou pânico as defesas adversárias com suas arrancadas mortíferas.
Tivemos ainda Rivelino e sua patada atômica; Brito zagueiro raçudo, considerado
o pulmão da copa; Carlos Alberto, nosso eterno capitão que perpetuou o gesto de
beijar a taça Jules Rimet (que como dizia o samba-enredo “derreteram na maior
cara-de-pau”); a juventude veterana de Clodoaldo, a organização tática e os
lançamentos milimétricos de Gerson, o canhotinha de ouro; a classe de Piazza, a
discrição de Félix e Everaldo.
Campanha sem igual, coroada com a
brilhante exibição na final disputada na Cidade do México. Um 4 x 1 convincente
contra a seleção italiana, tão diferente destas finais insossas que nos
acostumamos a presenciar nas últimas Copas.
Parafraseio Pablo Neruda e
confesso que não vivi o momento, não vi a maior seleção de futebol de todos os
tempos mas, graças ao milagre tecnológico, este espetáculo está ao alcance de
qualquer mortal ao custo de uma locação de um DVD. Aprecie sem moderação.
0 comentários:
Postar um comentário