Publicado originalmente no FC e Afins
Um dos maiores chavões que eu conheço – olha que são muitos – é o velho ‘a escola mata o gosto pela leitura ao obrigar os alunos a ler os clássicos’. Apesar de acreditar que muito disso se deve mais a obrigatoriedade do que aos clássicos em si, não podemos desconsiderar que em tempos de ‘Resident Evil’ e ‘God of War’, ‘O morro dos ventos uivantes’ e ‘A Odisseia’ saem perdendo no quesito atratividade.
Afinal, entre ler sobre monstros e matá-los para se tornar um deus qualquer pessoa com menos de 30 anos vai escolher o caminho mais divertido e sangrento. Oras, por vezes até eu mesma escolho. Então, fica difícil alguém conseguir manter a atenção nos intermináveis saraus e reuniões sociais de ‘A moreninha’ e ‘Senhora’ em tempos de ‘The Sims’, twitter e MSN.
E até onde posso perceber, o problema é universal. Ou melhor dizendo, mundial. As crianças vulcanas devem adorar ler os ensinamentos de Surak.
Mas aqui na 3ª pedra a partir do Sol, o negócio é bem mais complicado.
Até que um dia, lá fora – claro, o editor Jason Rekulak da Quirk Classics achou o ‘ovo de Colombo’ dessa história. Foi inspirado pelo exemplo de um livro de auto-ajuda para pessoas… ah, fofas em excesso assim como eu, que misturava os ensinamentos do Sun Tzu em ‘A arte da guerra’ com os conselhos que todo o fofinho já escutou de seu endócrino ou nutricionista que mudou os rumos da sua casa editorial.
Resolveu pegar clássicos da literatura que já tivessem caído em domínio publico e fazer uma mistura com elementos dos livros que a rapaziada curte: vampiros, fantasmas, lobisomens, andróides, zumbis, monstros marinhos, ninjas… Contatou o escritor pouco conhecido Seth Grahame-Smith, dizendo que tinha uma ideia, um título e só. O autor disse depois que este título ‘era a coisa mais genial que já tinha ouvido’: ‘Pride and Prejudice and Zombies‘.
Cá entre nós, se não é a coisa mais genial que EU já ouvi, está no top 100 com certeza.
O livro obviamente incomodou muitos acadêmicos. Mas como todos nós sabemos, o público em geral não dá muita bola para ranzinzices mofadas e adorou a ideia, fazendo do mashup do livro de Jane Austen um dos grande sucessos editoriais do ano passado. A Intrinseca, mostrando mais uma vez que é antenada com o que cheira a sucesso (é a editora das séries ‘Crepúsculo’ e ‘Percy Jackson’ no Brasil), lançou a versão brasileira do livro no começo de 2010.
Manteve-se fiel ao espírito da edição original: a capa é a mesma, o título é a tradução literal, as ilustrações – uma boa emulação dos originais da época de Austen – também estão lá. Inclusive a ‘ficha de leitura’, que tira um grande sarro das perguntas dos livros paradidáticos, aparece no final.
A trama principal é a que foi escrita por Jane Austen em 1813, uma crônica ácida e divertida dos costumes do inicio do século XIX vistos por uma mulher. As irmãs Bennet estão na idade de casar e essa se torna a principal preocupação de sua mãe, uma senhora praticamente insuportável. A vida das cinco moças gira em torno dessa obsessão por casamento, inclusive Elizabeth, a segunda mais velha e a mais ousada, que é a protagonista da história.
Eu disse que a vida delas gira em torno de casamentos? Bem, isso na versão original.
No livro da Quirk Classics, tem um probleminha distraindo as mentes das jovens desse objetivo. Uma estranha praga assola a Inglaterra, fazendo com que os mortos levantem dos túmulos atrás de carne humana. Como nos bons filmes e livros do gênero, uma mordida e o pobre infeliz também irá contrair a moléstia. E é por isso que o pai, o Sr. Bennet, tem outros pensamentos em relação ao futuro de suas filhas. As irmãs são treinadas exaustivamente em artes marciais para poderem se defender e ajudar na defesa de seu país contra as hordas de mortos-vivos.
Aí está a receita. O livro mantém o humor ácido e inteligente de Austen, inclusive com os diálogos marcantes entre Elizabeth Bennet e o arrogante Mr. Darcy, Lady Catherine continua sendo preconceituosa, a pobre Charlotte ainda tem o seu destino trágico… porém tudo fica mais divertido com zumbis. A cena do jantar, logo no começo do livro, perde seu ar de sarau e transforma-se em uma batalha campal em um dos muitos momentos divertidos da história.
O autor não perde muito tempo explicando o que aconteceu ou como os zumbis apareceram. Mal e mal nos deixa saber que estão procurando uma cura. Nos 15% do livro que lhe couberam – já que manteve 85% do texto original – ele se preocupa muito mais em inserir cenas de ação, como a disputa de Elizabeth com os ninjas de Lady Catherine, ela mesma uma eximia lutadora que teve tempos de glória no combate aos atingidos pela praga.
Porém, isso não faz muita diferença. O toque de mestre ali foi saber onde inserir na narrativa os momentos de quebra – como leitora dos dois livros, com e sem zumbis, deu para perceber que ele escolheu bem. Sempre que a trama de Jane Austen podia afastar jovens leitores, há zumbis, ninjas e lutas para trazê-los de volta.
Claro que aqueles que levam a literatura a sério demais bradam que é um sacrilégio, uma afronta, um desrespeito, antiético e até criminoso que o autor ganhe dinheiro dessa forma. Nunca vi, no entanto, esses mesmo críticos refletiram que as editoras ganham muito dinheiro reeditando clássicos em domínio público para servirem como paradidáticos. Qualquer pessoa que entenda o mínimo de legislação autoral sabe que a partir do momento em que a obra cai em domínio público, ela é de livre utilização, por qualquer pessoa, incluindo autores. E só seria antiético se o nome de Jane Austen fosse deixado de lado – o que não acontece, muito pelo contrário.
E é curioso que digam que é um desrespeito e uma afronta. Jane Austen enfrentou esse mesmo tipo de comentário por ser uma mulher que se atrevia a fazer literatura. Poucas na época ousavam, muito menos o sucesso e o reconhecimento da inglesa.
Pode ser que artisticamente, ‘Orgulho e Preconceito e Zumbis’ não revolucione a literatura. Porém, já trouxe uma pequena revolução no mercado. A Quirck Classics já lançou ‘Sense and sensibility and sea monsters’ e agendou o lançamento de ‘Android Karenina’ para outubro deste ano. Grahame-Smith é o autor de ‘Abraham Lincoln: vampire slayer’. Outros autores e editores começam a apostar no filão: Amanda Grange lançou ‘Mr. Darcy, Vampyre’ pela SourceBooks.
E claro que isso não ia parar nos livros. ‘Pride and prejudice and Zombies‘ vai virar filme e graphic novel. Uma produtora cinematográfica inglesa já anunciou que pretende filmar uma invasão alienígena à cidade fictícia de Meryton, onde se passa o livro de Jane Austen, intitulada ‘Pride and Predator’. Um jogo para Ipod e Iphone será lançado em breve.
E mesmo no Brasil, essa mania pode pegar. O assunto já apareceu na Veja e na Época, foi capa do suplemento Megazine de 20/04/2010, com brasileiros dando exemplos de obras nacionais ‘remixadas’, a Intrinseca já anunciou o lançamento de ‘Razão e Sensibilidade e Monstros Marinhos’ e ‘Abraham Lincoln: matador de vampiros’ para 2010…
E a Desiderata anuciou que no final desse ano irá lançar “Memórias Pós-túmulo de Brás Cubas’ no final do ano. O autor ainda não foi anunciado. Mas já prevejo que ele irá apanhar bastante. Da crítica. O público, porém, tem muita chance de gostar do que vai ler!
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Orgulho e Preconceito contra Zumbis
por Unknown
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