Não há leitor digno do nome que não tenha pelo menos ouvido falar da Biblioteca de Babel, de Borges, que vê o universo como uma biblioteca (melhor seria dizer "a" biblioteca):
Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens sentiram-se senhores de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema pessoal ou mundial cuja eloquente solução não existisse: em algum hexágono, o universo estava justificado, o universo bruscamente usurpou as dimensões ilimitadas da esperança.
Pois acaba de ser inaugurada em San Antonio (EUA) a primeira biblioteca sem livros - a Bibliotech. Com 10 mil e-books, 500 e-readers, 48 computadores e 20 Ipads e tablets. Uma mistura de lan house chique com agência do Itaú.
Sim, leio, e muito, pelos Kindles e Ipads da vida. Não consigo me imaginar sem eles. A praticidade e as possibilidades venceram qualquer resistência que pudesse esboçar. Para mim, é uma forma de driblar um problema espacial caseiro. Tem grandes vantagens, lógico - viajar fica mais fácil e resolve até aquela dúvida: qual destes cinco livros eu levo para ler no avião? (reconheço que ultimamente só durmo durante os voos mais longos).
Mas... uma biblioteca pública digital? As bibliotecas - e as boas livrarias - são lugares para se brincar de arqueólogo; aquela descoberta inesperada. Você sai de lá feliz da vida porque achou algo absolutamente desconhecido. Às vezes, uma dica de um livreiro digno do nome. Mas também permite aquela sensação de descoberta.
Poggio Bracciolini, secretário papal numa época em que papas eram assassinados ou depostos, vagou por mosteiros na Alemanha e na Suíça, fuçando suas bibliotecas perdidas. Em 1417, no sul da Alemanha, provavelmente em Fulda, descobriu o poema de Lucrécio, De Rerum Natura - Da natureza das coisas. Lucrécio era discípulo de Demócrito e Epicuro. Esta descoberta mudou o rumo das coisas. Renascimento, Reforma, ciência moderna - nada disso seria o mesmo sem Lucrécio.
Mas Poggio não teria o prazer da descoberta numa biblioteca como essa que acaba de ser inaugurada. Ele teria acesso a tudo o que se conhece, mas jamais poderia aspirar a descobrir algo. Quem já se acostumou com o e-reader já constatou algo assustador: nós somos lidos pela livraria (no caso, a Amazon). Ela te "lê". Ela sabe aquilo que você quer - e, reconheçamos: em geral ela está certa.
Depois da morte do escritor, só poderíamos esperar pela morte do leitor. A livraria lê seus leitores.
Sim, leio, e muito, pelos Kindles e Ipads da vida. Não consigo me imaginar sem eles. A praticidade e as possibilidades venceram qualquer resistência que pudesse esboçar. Para mim, é uma forma de driblar um problema espacial caseiro. Tem grandes vantagens, lógico - viajar fica mais fácil e resolve até aquela dúvida: qual destes cinco livros eu levo para ler no avião? (reconheço que ultimamente só durmo durante os voos mais longos).
Mas... uma biblioteca pública digital? As bibliotecas - e as boas livrarias - são lugares para se brincar de arqueólogo; aquela descoberta inesperada. Você sai de lá feliz da vida porque achou algo absolutamente desconhecido. Às vezes, uma dica de um livreiro digno do nome. Mas também permite aquela sensação de descoberta.
Poggio Bracciolini, secretário papal numa época em que papas eram assassinados ou depostos, vagou por mosteiros na Alemanha e na Suíça, fuçando suas bibliotecas perdidas. Em 1417, no sul da Alemanha, provavelmente em Fulda, descobriu o poema de Lucrécio, De Rerum Natura - Da natureza das coisas. Lucrécio era discípulo de Demócrito e Epicuro. Esta descoberta mudou o rumo das coisas. Renascimento, Reforma, ciência moderna - nada disso seria o mesmo sem Lucrécio.
Mas Poggio não teria o prazer da descoberta numa biblioteca como essa que acaba de ser inaugurada. Ele teria acesso a tudo o que se conhece, mas jamais poderia aspirar a descobrir algo. Quem já se acostumou com o e-reader já constatou algo assustador: nós somos lidos pela livraria (no caso, a Amazon). Ela te "lê". Ela sabe aquilo que você quer - e, reconheçamos: em geral ela está certa.
Depois da morte do escritor, só poderíamos esperar pela morte do leitor. A livraria lê seus leitores.
1 comentários:
Muuuito interessante.
Postar um comentário