–
Só faz falta quem cá está…
O homem sensato, calmo, contido, explodiu inesperadamente:
–
Só faz falta quem cá está? Só faz falta quem cá
está?!?
Mas que frase mais idiota! Se o senhor quer dizer que
ninguém faz falta, diga isso mesmo, é obviamente falso mas ao menos é uma frase
honesta que não se esconde atrás de um ar filosófico e profundo. Só faz falta
quem cá está… Se está cá então não lhe falta e se falta não lhe faz falta? Em
última análise, nunca ninguém lhe faz falta pois o senhor é o único que está e
estará sempre presente para si próprio. Já pensou na estupidez e arrogância
dessa frase? Não, obviamente que não pensou, limita-se a papaguear uma frase que
lhe soa bem, e com esse ar entendido de quem sabe retórica. Só faz falta quem
cá está…
O homem virou-se, furioso, e saiu da sala a passos largos deixando o interlocutor
com o ar interdito de um estudante apanhado a copiar.
………………………………………………
–
Mas…
–
Nem mas nem meio mas; não lhe admito essa
insinuação. Não sei nem me interessa a que tipo de pessoas está habituada mas
eu não lhe admito que ponha em dúvida a minha honestidade. Vocês estão aqui
para resolver os problemas, é para isso que existem Reclamações, ou não é?
Porque, se em vez de resolver os problemas se põem a insinuar que o cliente não
é honesto e só vos quer enganar, digo-lhe, que rico serviço vocês têm aqui!
–
Mas…
–
Não há cá mas nenhum! Era de supor que as
pessoas que aqui estão tivessem sido formadas para saberem falar com os
clientes mas claro que esta chafarica nem isso faz e a senhora é um bom
exemplo: não sabe falar, é mal-educada e em vez de resolver o problema do
cliente só lhe ocorre insinuar que é um aldrabão!
–
Mas…
–
Oiça, eu consigo nem falo mais, chame o seu
supervisor, chefe, o que for – um homem com dois dedos de testa, que compreenda
as coisas e que não se vista com roupa da feira de Carcavelos!
De intervenção em intervenção, a voz ia subindo de tom e neste momento
a senhora vestida de roupas caras quase gritava. A rapariga voltou-se e foi lá
dentro; voltou acompanhada de um homem de ar espantado.
–
Essa abécula nem isso lhe disse? Francamente,
acho lamentável que uma casa aberta ao público tenha funcionários deste calibre
de burrice! Venho reclamar da compra que a minha filha fez aqui na sexta-feira
passada: quando fui vestir o vestido para um jantar no sábado verifiquei que
tinha uma mancha, aqui, está a ver?
–
Vestido? Minha senhora, está equivocada. A loja não
tem vestidos de tecido, só malhas e esta senhora é a proprietária. Não foi aqui
que comprou o vestido.
–
Malhas? Proprietária? Mas o senhor não é o
supervisor?
–
Eu? Não, eu sou electricista, estava lá dentro a
acabar uma instalação.
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