as tardes acordam doentes e a gente não percebe
os dias acordam com morte, e cada um a rir-se, cada um guerreando como se houvesse um minuto mais, como se aquele não fosse o derradeiro
não percebemos que os olhos que nos olham estão a dizer-nos nunca mais seremos um e outro assim como estamos
não percebemos que aquele gesto que nem fazemos - o mimo, o dizer adeus, o olhar mais um instante - é afinal gesto de dizer eternidade
e nem sequer ficamos uns com os outros consolando, seja gente ou seja o cão que nos abana a cauda, sabe-se lá que sensibilidade terão os animais
continuamos como se nada fosse a olhar as formigas que polulam por ali em busca de migalhas, elas também sem saberem que um dedo de senhora lhes esmagará a existência, que por elas nem sequer choramos, nem sequer nos culpamos de não ter velado para que não tivesse sido como foi
interrogações que colocamos, ridículas e desprovidas de sentido: porque raio não fiquei? ou porque raio fui? e mais um ror de dizeres que é a gente a tentar perceber, a tentar imaginar que nem fosse verdade, a tentar reverter, bater no peito uma culpa que nos console daquele mistério que é não termos percebido o que era afinal tão óbvio, tudo a dar-se no nariz da gente, tudo previsto, tudo escrito no filho da puta do destino
2 comentários:
Muito ácida. Curta, seca, doída. Um momento de questionar tudo, de zangar-se com tudo, de pensar nos "se". Notei o sumiço das maiúsculas. Tudo diferente. Rompimentos.
E assim a "VIDA", manda o seu recado: -Eu estou aqui-... Duro, seco, mas também muito real... Afinal isto não é a Vida? Muito bom...
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