Na sala de espera do consultório do dentista, um menino aguarda o retorno da mãe ao fim da consulta. A secretária distraída mal percebe a presença da criança que balança as pernas no ar, sentada na beira da cadeira. Inquieto, João tem pouco menos de cinco anos e olhos muito redondos e piscantes. Vê, então, um aquário de verdade pela primeira vez. Levanta e encosta mãos e nariz no vidro. Fica a encarar o pequeno peixe laranja.
Se fosse meu, chamaria de Ivo, pensou. Será que gosta de arco-íris, de bolhas de sabão, de estilingue, de colecionar tampinhas de refri, de gelatina de morango, pergunta para dentro. O peixe nada devagar entre paredes transparentes. Parece triste demais para o gosto de João. O bicho além de preso vive sozinho, sem mãe para passear de mão. O coitado nem tem mãos, mas perto da cabeça tem uns pontinhos azuis tão bonitos e brilhantes, que devem ter sido feitos de canetinha, conclui.
João enfia a mão na água, lá no fundo, e caça o peixe. A secretária não repara, concentrada que está em mascar chiclete e enrolar a caneta na mecha fina de cabelo. Guardou o então Ivo dentro do bolso grande do macacão. Agora esse peixe vai ver o que é bom, pensou satisfeito. A mãe não demorou. Vamos, filho? Lá se foram João e o peixe: o primeiro pela mão com a mãe, cheia de pressa, e o segundo, seguro e aquecido no bolso do macacão.
João, feliz, imaginava como seria na escola, ele de uniforme, com cadernos e giz de cera, mochila, lancheira e Ivo o acompanhando. Cantariam Escravos-de-Jó, aprenderiam a amarrar cadarços de tênis, recortariam anjos e corujas de papel para colar na parede do quarto. Fariam coisas incríveis juntos e quando adultos viajariam pelo litoral de Santa Macarina, ou Catarina, de jipe – já havia entendido que na tevê litoral era o mesmo que praia, e jipe um tipo diferente de chapéu. O nome da santinha é que não tinha ouvido bem.
Em casa, engoliu o leite achocolatado que a mãe mandou tomar e saiu. Correu para mostrar a novidade aos companheiros das partidas de bolinhas-de-gude. Ofegante ainda, João catou do bolso o que trazia. Olhou para aquilo tão surpreso quanto os amigos. Fechou as mãozinhas em concha, Ivo aconchegado no fundo da mão, estático. Ele se mexia, bem rápido, eu tenho certeza. Vocês tinham que ver como abanava essas coisinhas penduradas que parecem rabo, tinham que ver… – disse, fazendo um esforço danado para não chorar.
Os guris riram e foram embora. João sentou no cordão da calçada sem desfazer a concha das mãos. Os planos desfeitos, nada de anjos, corujas, jipes ou Escravos-de-Jó. Daí o João chorou bem forte para a mãe chegar. Eu só queria que ele fosse feliz assim, mãe, que nem eu... Entendo, filho. Vamos consertar as coisas? Antes de o dia acabar, o aquário do consultório do dentista recebeu novo hóspede laranja e o quarto do João ganhou mais um morador miúdo, dentro de uma casa de vidro azul: o Ivovivo.
3 comentários:
por um momento pensei que o menino ia ficar triste e sem ivo. um final feliz, ainda bem. ainda bem! =)
Um poema. De dar nó na garganta. Quanta pureza. Quanta sabedoria. Como é possível retratar assim tão (dolorosamente) bem a solidão de uma criança, a vontade de poder deixar de ser invisível? Uma mãe sábia, que faz trocas imperceptíveis em nome do bem-estar da sua cria. A cada texto seu uma surpresa. Muito bom!
Singelo, lindo e tocante! Adorei ;)
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