É do feitio da crônica estar em toda
parte.
Está nos acontecimentos e
desacontecimentos.
Está num olhar, num silêncio, numa
lágrima.
Está no que quase ninguém vê.
Está no que se inventa.
Está no inventário das horas.
Está de braços dados com o lúdico, está
nos incidentes pessoais.
Está no gosto de bile, na careta de
gozo, na dor no escuro.
Está na natureza, está nas coisas.
Está no recanto em que se nasceu, na
infância que se viveu.
Está na memória, está na imaginação, está
nos sentimentos.
Está no que não se dissipou e não se
partiu – cristal de poesia incrustado na vida.
Está no que escapa à palavra.
Está no que se oferece gratuito.
Está no ordinário, no que se espraia
pelo rio do cotidiano.
Está nos desperdícios da “vida se
vivendo em nós e ao redor de nós” – e o cronista é o mais dedicado apanhador de
desperdícios.
Está onde menos se espera.
Está onde sempre esteve.
Está onde haja gente.
A crônica é onívora: se serve de tudo.
A vida dispõe para o cronista um
banquete onde nada falta. Tamanha abundância exige do cronista perícia na
procura da crônica – é difícil achar o que se quer, tanto na abundância quanto na escassez. Não podendo servir-se de tudo que a crônica oferece, o
cronista tem de ser hábil em colher do banquete à sua frente o que melhor lhe
caia na fome da hora. É, então, que se debruça avidamente sobre o banquete da
vida com a certeza de que encontrará, sempre, algum acontecimento com força de
palavra. Sabe o cronista que cada acontecimento tem mil faces secretas sob a
face aparente. E cada acontecimento assedia o cronista com a pergunta: trouxeste
a fome?
O cronista tem de chegar mais perto do
coração da vida e contemplar o que ali pulsa. E ter paciência com a obscuridade
do que pulsa. E calma se o que pulsa vier, não com poder de palavra, mas de
silêncio. Não faz mal. O cronista também se serve do silêncio – e faz do
silêncio o próprio alimento.
Não há assunto, ou falta de assunto,
infenso à efusão lírica do cronista. O cronista, aliás, sofre de um
encantamento pelo miúdo. E costuma infundir lirismo em quase tudo que vê.
Porque o que o cronista procura é, “não
a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida”. O
cronista não quer saber da “explicação total da vida, [seu] nexo primeiro e
singular” – explicação que de resto não há. Em não havendo, o cronista, com
seus dons de beija-flor, se dedica tão-só a contemplar a vida.
Beija aqui, beija ali. E de cada beijo
nasce um texto em flor.
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