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domingo, 26 de janeiro de 2014

Pequenos milagres

Mariana encolheu os ombros:
-  Não sei.
João encolheu os seus:
-  Eu também não.
Ficaram calados, os olhos fixos no horizonte de casas e carros, cada um deles perdido na sua imensidão de pensamentos.
-  Podemos falar com ele.
-  Para quê? Já falámos, ele nem ouve. Vai dizendo que sim, que sim e se lhe perguntares depois o que é que dissemos, ele não sabe responder. Nem ouve.
-  Mas não podemos ficar sem fazer nada, ele vai acabar por se matar…
-  Eu sei. Mas não sei o que fazer.
-  Pois, eu também não.
Calaram-se novamente.
-  E a mãe dele?
-  Morreu o ano passado, não te lembras? Já era velhota.
-  Caramba, ninguém devia ser filho único.
-  Isso não interessa nada, olha a Paula: 3 irmãos e não se falam há milénios, detestam-se. E há mais exemplos, tu sabes. Além disso, que poderiam fazer? Ele não ouve.
-  Pois, é verdade.
O silêncio, pesado de impotência, voltou.
-  Achas que se ele estivesse 2 semanas inteiras sem beber, curava-se?
-  Não sei… Mas ele não fica nem meia hora, quanto mais 2 semanas!
-  Olha, eu posso tirar 2 semanas de férias, tu também tens férias, não tens?
-  Tenho, acho que na próxima semana posso meter, mas qual é a tua ideia?
-  Vamos lá para cima, os três. Tu sabes, a casa daqueles amigos do meu pai, no inverno nunca está lá ninguém. Montamos guarda ao Nené, ele não vai beber nem um pingo por muito que insista. Que é que achas?
-  Não sei, Mariana… Ele até é capaz de ir com a gente mas chegando lá vai ser a chatice do costume!
-  Eu sei mas aí nem que a gente tenha de o amarrar, ele não vai beber nem um pingo. Achas que dá? Temos de fazer alguma coisa!
-  Não sei, tu já viste como é, até fica agressivo…
-  Eu sei. Mas tu és maior do que ele e se não for isso, fazemos o quê?
-  Não sei…
-  Sei eu. Vamos meter as férias e falamos com ele. Eu arranjo a casa com o meu pai e na próxima terça-feira estamos lá. E olha que não estava a brincar, João, vou levar corda e aqueles atilhos de plástico – nós vamos ter de dormir de vez em quando.
...
Quando viu o pai de Mariana, o rapaz reconheceu-o e encolheu-se. O senhor aproximou-se e pôs-lhe a mão no ombro:
-  Olha, a culpa não foi tua, está bem? Foi um acidente, um estúpido acidente. Quero que tu saibas que a culpa não foi tua, foi o camião que ficou sem travões e o condutor não conseguiu fazer nada, pobre diabo.
-  A Mariana?...
-  A Mariana morreu, Nené. O João também e o condutor do camião.
-  Todos...?
-  Sim, todos menos tu. E eu tinha de vir cá falar contigo, porque era preciso que tu soubesses que a culpa não foi tua, para não ficares para aí a pensar parvoíces e dar cabo da tua vida sem razão. A Mariana era muito tua amiga, devo-lhe isto.
O senhor passou-lhe a mão pela face, sorriu-lhe, virou-se e saiu do quarto com passos pesados de desgosto.
Anos e anos depois, o Nené ainda explicava nas reuniões dos AA como é que tinha sido recuperado para a vida em menos de cinco minutos pelo pai de Mariana.

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Mac
De biografia, só posso dizer que tenho mais de 50 anos e nunca publiquei nada... Mas gostaria de publicar, receber opiniões a coisas que me ralam...



todo dia 26


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