Mariana encolheu os ombros:
- Não
sei.
João encolheu os seus:
- Eu
também não.
Ficaram calados, os olhos fixos no horizonte de
casas e carros, cada um deles perdido na sua imensidão de pensamentos.
- Podemos
falar com ele.
- Para
quê? Já falámos, ele nem ouve. Vai dizendo que sim, que sim e se lhe
perguntares depois o que é que dissemos, ele não sabe responder. Nem ouve.
- Mas
não podemos ficar sem fazer nada, ele vai acabar por se matar…
- Eu
sei. Mas não sei o que fazer.
- Pois,
eu também não.
Calaram-se novamente.
- E
a mãe dele?
- Morreu
o ano passado, não te lembras? Já era velhota.
- Caramba,
ninguém devia ser filho único.
- Isso
não interessa nada, olha a Paula: 3 irmãos e não se falam há milénios,
detestam-se. E há mais exemplos, tu sabes. Além disso, que poderiam fazer? Ele
não ouve.
- Pois,
é verdade.
O silêncio, pesado de impotência, voltou.
- Achas
que se ele estivesse 2 semanas inteiras sem beber, curava-se?
- Não
sei… Mas ele não fica nem meia hora, quanto mais 2 semanas!
- Olha,
eu posso tirar 2 semanas de férias, tu também tens férias, não tens?
- Tenho,
acho que na próxima semana posso meter, mas qual é a tua ideia?
- Vamos
lá para cima, os três. Tu sabes, a casa daqueles amigos do meu pai, no inverno nunca
está lá ninguém. Montamos guarda ao Nené, ele não vai beber nem um pingo por
muito que insista. Que é que achas?
- Não
sei, Mariana… Ele até é capaz de ir com a gente mas chegando lá vai ser a
chatice do costume!
- Eu
sei mas aí nem que a gente tenha de o amarrar, ele não vai beber nem um pingo.
Achas que dá? Temos de fazer alguma coisa!
- Não
sei, tu já viste como é, até fica agressivo…
- Eu
sei. Mas tu és maior do que ele e se não for isso, fazemos o quê?
- Não
sei…
- Sei
eu. Vamos meter as férias e falamos com ele. Eu arranjo a casa com o meu pai e
na próxima terça-feira estamos lá. E olha que não estava a brincar, João, vou
levar corda e aqueles atilhos de plástico – nós vamos ter de dormir de vez em
quando.
...
Quando viu o pai de Mariana, o rapaz reconheceu-o e
encolheu-se. O senhor aproximou-se e pôs-lhe a mão no ombro:
- Olha,
a culpa não foi tua, está bem? Foi um acidente, um estúpido acidente. Quero que
tu saibas que a culpa não foi tua, foi o camião que ficou sem travões e o
condutor não conseguiu fazer nada, pobre diabo.
- A
Mariana?...
- A
Mariana morreu, Nené. O João também e o condutor do camião.
- Todos...?
- Sim,
todos menos tu. E eu tinha de vir cá falar contigo, porque era preciso que tu
soubesses que a culpa não foi tua, para não ficares para aí a pensar parvoíces
e dar cabo da tua vida sem razão. A Mariana era muito tua amiga, devo-lhe isto.
O senhor passou-lhe a mão pela face, sorriu-lhe,
virou-se e saiu do quarto com passos pesados de desgosto.
…
Anos e anos depois, o Nené ainda explicava nas
reuniões dos AA como é que tinha sido recuperado para a vida em menos de cinco
minutos pelo pai de Mariana.
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