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terça-feira, 4 de março de 2014

RESENHA: Os lemmings e outros, de Fabián Casas

Desde que comecei a publicar, as pessoas me perguntam: "Isto é autobiográfico, não é?" Ou: "O personagem é você, não é?" De modo que vou começar dizendo que tudo o que se vai narrar aqui é absolutamente verídico. Aconteceu realmente como vou contar. 
(conto: Casa com dez pinheiros)

Dizer que Buenos Aires é uma cidade literária é de um irritante lugar-comum. Mas o que dizer de um bairro? Sim, porque, no final das contas, na maioria das vezes os escritores se dedicam a um ou outro bairro. Borges dedica-se a Palermo Viejo, onde viveu quando criança  - e que está presente em A fundação mítica de Buenos Aires e em Evaristo Carriego (o primeiro texto, Palermo de Buenos Aires).

Borges fez parte do chamado Grupo de Florida, que nos anos 20 e 30 do século passado se reunia em torno do Café Tortoni e da Revista Martín Fierro. Estavam antenados nas vanguardas europeias e foram associados às classes mais altas da sociedade argentina. Hoje qualquer turista conhece o Café, a calle Florida, o bairro Palermo.

Mas houve também um outro grupo, de Boedo. Na época, houve alguma rivalidade entre ambos. Ao contrário do Florida, Boedo se reunia nos subúrbios e era mais associado às classes operárias. Roberto Artl era um dos seus expoentes. A literatura tinha um papel na revolução social - a arte comprometida. Você alguma vez visitou o Boedo?

Quase um século depois, o argentino Fabián Casas, nascido em Boedo em 1965, traz seu bairro em uma série de pequenos contos - Os Lemmings e outros (Editora Rocco, 2013, tradução de Jorge Wolff e posfácio de Carlito Azevedo). Mais um autor da série Otra Língua, coordenada por Joca Reiners Terron.

Nos oito contos, Casas cita de Schopenhauer a Darth Vader. E algumas referências como Asterix (Asterix, o zelador) tratam, na verdade, de autores como Sebald (Austerlitz):

Levei-o para casa, emprestado, numa edição espanhola. Comecei a ler e, lá pela página 40, me demoliu. Confesso. Era outro livro de um alemão hiperculto que se encontra com um tal Austerlitz, que é mais culto ainda que ele. Não pode passar uma mosca sem que este Austerlitz a rodeie com todo o pensamento ocidental (...) comecei a escutar uma voz que replicava em minha cabeça: primeiro dizia, claramente, Austerlitz!, Austerlitz!, mas depois ia declinando para Asterix!, Asterix! Asterix, aqui, é na verdade Rodolfo, o zelador...

Muito se tem destacado que as narrativas do livro são reminiscências da infância e da juventude do autor (que já disse ter pouca imaginação e, por isso, recorre às suas experiências - deixando claro que tem pouca memória). O bairro Boedo, o time do San Lorenzo. Isto parece bem evidente.

Mas há algo a mais. Casas parece carregar suas narrativas com uma ironia bastante sutil. Uma prosa extremamente coloquial e de fácil leitura, mas que oferece também uma visão bastante crítica e irônica - afinal, quem você acha que é Pablo Conejo, autor "mexicano, que escreve livros de autoajuda que vendem como coca-cola"?




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Fabio Bensoussan
Nasceu no Rio de Janeiro (1973) e hoje mora em Belo Horizonte, com sua esposa e os dois filhos. É procurador da Fazenda Nacional e recentemente começou a escrever contos e a traduzir textos literários.
todo dia 04


2 comentários:

Além de você ser muito culto e um grande resenhista, gosto da intimidade que seu texto prova ter com tudo aquilo que leu. Não é firula; é internalizada a leitura que você faz. E eu, que confesso não ter muita paciência para resenhas, me pego lendo todas as suas. Talvez me faltasse paciência para as resenhas...ruins! rsrs Parabéns! Dá vontade de ler (ainda não li). Você, sim, fala com a gente de maneira firme, mas simples. Dá o recado completamente. E muito bem. Desculpe a mensagem tão longa, mas faz tempo que queria lhe dizer isso.

Cinthia, muito obrigado! Grande abraço!

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