Conhecia cada
curva daquela estrada ,
com suas
manhas e ardis. Era
capaz de palmilhá-la de olhos fechados. Mas ,
curiosamente , nunca
era aquela parada
a que escolhia em
seus momentos
de descanso .
Dizem que
um marinheiro
deixa um
amor em
cada porto , mas , e quanto a
ele ? Sua
velha companheira
era a carreta
com que
ganhava a vida , batizada
por ele
de Brigitte. Nome de quenga, segundo
a noiva que
o esperava na cidadezinha do interior . Ela sentia ciúmes
de seu caminhão ,
dá pra acreditar ?
Rita estava longe
de corresponder às suas fantasias .
Simples , sem
vaidade alguma, em
nada se parecia com
as misteriosas fêmeas das capas e pôsteres
em poses
generosas das revistas que ele
folheava. Suas tórridas fantasias eram realizadas com
as turbinadas musas de papel .
Pobre Rita !...
Boazinha, honesta ... Mas gostosa , não era , não ... E achava que
tudo era
pecado . Um
horror . Mas
Antônio sabia bem que
tipo de mulher
ele desejava para
mãe de seus
filhos , e, pensando bem ,
era muito
bom que
ela fosse desse jeito .
Ele às vezes
passava quase quinze dias viajando, e não
queria nada na cabeça
além do boné
que ostentava com
orgulho .
Encostou o caminhão
e entrou no café . Pediu uma média com pão na chapa , com bastante manteiga , e pegou o jornal .
Levantando-se, escolheu uma música na máquina , e começou a tamborilar
o ritmo com
as mãos enquanto
aguardava o pedido .
A garçonete, impaciente ,
trouxe um bule ,
repetindo as respostas que normalmente
usava nas cantadas que
recebia. Não era
propriamente bonita , mas o batom vermelho e o perfume
a transformavam, naquele lugar no meio do nada ,
numa verdadeira atriz de Hollywood. E assim Chiquinha – ou
Maria Francisca, pela pia batismal –, tornava-se Francis, a mulher mais cobiçada daquele lugar ,
muito mais
devido à falta
de concorrentes do que
por mérito
próprio . Era única , literalmente .
E foi por isso
que se virou tão
repentinamente e indignada quando a outra
entrou.
– Quem é aquela ali , Francis?
– Nunca vi. – respondeu, contrariada. Mas mulher
sozinha por
aqui boa coisa
não pode ser .
– ‘Tá com ciúme ,
princesa? Eu sou todo
seu . – provocou um ,
arrancando gargalhadas gerais .
– Te enxerga, homem. Não sou pro teu bico , não ... – Francis não
perdia a pose . Fazer-se de difícil era quase divertido ,
além de conter
os ânimos dos mais
exaltados. Trabalhar ali
exigia uma boa dose de defesa , que ela , com o tempo , adquirira.
– Preciso de uma carona .
– foram suas únicas palavras ,
firmes e secas .
Os instantes
seguintes foram marcados pela balbúrdia de todos aqueles homens , dispostos
a ajudar a bela
dama perdida.
– Para onde a senhora
está indo? – perguntava um .
– Como chegou até aqui ? – indagava outro .
– Vou para o Rio de
Janeiro . – nova
resposta curta
e seca . Não
havia sorriso ou
simpatia em
seu olhar .
– Estou indo para lá .
– respondeu Antônio.
– Ótimo . Podemos partir , então ?
– É só eu
acabar com isso aqui ,
disse ele , enquanto
engolia o resto do pão .
O silêncio
que se fez ao cruzarem a porta só foi quebrado pelos comentários que
surgiram em seguida :
Quem ? Como ?
De onde ?
– Eu é que não
dava carona ! Mulher
cheia de mistério
dá mais é medo .
E grossa , viu? Nem
agradeceu a atenção da rapaziada . – Francis não
conseguia disfarçar o despeito .
Antônio abriu a porta para que ela subisse
na boleia, tentando não demonstrar
surpresa ao ver
que ela
era tão
rápida quanto
ele.
– Eu posso perguntar seu
nome ? – ele
era tímido ,
sendo muitas vezes alvo
de gozações dos colegas
por isso .
Mas não
obteve resposta .
– Você é do Rio ? Mora
lá ? – insistiu ele .
– Não . – ela foi propositalmente lacônica .
– Quero ver o mar .
Nesse momento ,
a voz dela começou a enfraquecer ,
como se ela
choramingasse.
– Ai, moça , tá tudo bem . Não precisa falar nada . Mas não chora , não . Não aguento ver mulher chorar .
– Está bem . – ela
se recompôs, e assumiu o tom formal de antes .
– Dona , chegamos.
– Aqui é o Rio de Janeiro ?
– perguntou, olhando ao redor . – Quero chegar à
praia .
– Olha , aqui está um
pouco longe ,
mas se a senhora ...
– Aqui está ótimo . Obrigada ,
interrompeu ela , e saiu andando.
A voz
do locutor começou a vir
em ondas ,
e ele só
conseguiu absorver parte
da notícia após
o choque de ver
a foto da moça .
Novas informações
identificavam-na como a filha de um caminhoneiro , de Minas
Gerais , que
seguia a profissão contra
a vontade do pai ,
e que tinha
como sonho
conhecer o mar .
Antônio estava desnorteado: de certa forma , levara a moça à morte . E se a polícia souber? E se acharem que
fui eu ? Todos
o tinham visto saindo com ela daquela
lanchonete na noite anterior.
Uma sensação
de alívio apossou-se dele, sendo imediatamente substituída pelo
mais absoluto
terror .
No dia
seguinte , bem
cedo , caiu na estrada
rumo a casa .
A partir de agora ,
só faria trajetos
nas cidades próximas. A lembrança de Rita
nunca lhe
pareceu tão reconfortante ,
e nem tão
bela . Partiu, deixando para
trás um
cheiro de maresia
e uma história que
nem o maior
pescador poderia
contar .
1 comentários:
Adorei o mistério e a morta que pede carona. O cheiro de maresia deu o,toque especial.
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