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quarta-feira, 26 de março de 2014

A TV

A jovem repórter explicava aos telespectadores que “a pobreza, o risco de pobreza, é terrível, já há imensas famílias que não podem comer carne todos os dias e as crianças não podem brincar porque os pais não têm dinheiro para pagar ATL”. Estava genuinamente chocada, a jovem repórter.

Deu uma gargalhada. “Excelente exemplo de relativismo”, pensou. Certamente que aquela moça era boa pessoa, estava tão triste com o problema das crianças que não podiam brincar…
Já a estação era outra coisa, as estações de TV apesar de não serem boas pessoas e viverem principalmente do mal e do desgosto, têm alguma obrigação de serem minimamente realistas e não confundirem não comer carne todos os dias com não comer todos os dias. Deveriam ter editado o texto da rapariga.

Encolheu os ombros. Era tempo de voltar à realidade - a sua realidade, não a realidade televisiva. E a sua realidade não era famosa, nem ele vislumbrava no horizonte um bom caminho.
Com a redução de horário no trabalho, pura e simplesmente não era possível esticar o dinheiro para chegar para as despesas. A única solução que lhe ocorria era gastar as 3 horas diárias que agora ficariam livres numa outra actividade remunerada; o problema era arranjar essa actividade e quem lha pagasse.

Riu-se outra vez – “comer carne todos os dias”… Talvez valesse a pena descobrir a moça e casar-se com ela! Só que não se aguentaria limpo e saudável o tempo necessário para a cativar.
Tinha passado a semana anterior a visitar centros comerciais e a Baixa, para descobrir que hoje em dia, os empregados de loja devem ser bonitas raparigas e não homens maduros e pouco bonitos, só que os anúncios nas montras nunca o diziam. Se calhar era proibido dizerem, seria discriminação sexual explícita – claro que a implícita também era ilegal mas sendo virtualmente impossível de provar podia-se fazer. Claro que não perceber nada de moda nem de meias de malha também não tinha ajudado, não há dúvida que qualquer conhecimento pode vir a ser útil.

Também já correra os supermercados todos que conhecia mas os horários não eram compatíveis e o ordenado praticado também não o decidira a sair de vez do trabalho actual.
Os call centers tinham flexibilidade de horário mas fora recusado por ter “algumas dificuldades de expressão”. Na verdade, foram simpáticos por não se rirem por um gago concorrer ao lugar… Compreenderam perfeitamente que uma pessoa tem que tentar tudo.

Hoje iria visitar os McDonalds. Certo, certo é que tinha de arranjar qualquer coisa antes de perder a casa – 2 dias na rua e nem ele se contrataria a si próprio, sabia isso perfeitamente pois já o tinha visto acontecer. 2 dias na rua e passaria a não achar piada nenhuma à moça boazinha da TV e ao relativismo do espírito humano.
Deu novamente uma gargalhada – esses dias ainda não tinham chegado, por ele não chegariam nunca e o que distingue um homem é a capacidade de se rir de coisas tristes.

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Mac
De biografia, só posso dizer que tenho mais de 50 anos e nunca publiquei nada... Mas gostaria de publicar, receber opiniões a coisas que me ralam...



todo dia 26


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