A jovem repórter explicava aos
telespectadores que “a pobreza, o risco de pobreza, é terrível, já há imensas
famílias que não podem comer carne todos os dias e as crianças não podem brincar
porque os pais não têm dinheiro para pagar ATL”. Estava genuinamente chocada, a
jovem repórter.
Deu uma gargalhada. “Excelente
exemplo de relativismo”, pensou. Certamente que aquela moça era boa pessoa,
estava tão triste com o problema das crianças que não podiam brincar…
Já a estação era outra coisa, as
estações de TV apesar de não serem boas pessoas e viverem principalmente do mal
e do desgosto, têm alguma obrigação de serem minimamente realistas e não
confundirem não comer carne todos os dias com não comer todos os dias. Deveriam
ter editado o texto da rapariga.
Encolheu os ombros. Era tempo de
voltar à realidade - a sua realidade, não a realidade televisiva. E a sua
realidade não era famosa, nem ele vislumbrava no horizonte um bom caminho.
Com a redução de horário no trabalho,
pura e simplesmente não era possível esticar o dinheiro para chegar para as
despesas. A única solução que lhe ocorria era gastar as 3 horas diárias que
agora ficariam livres numa outra actividade remunerada; o problema era arranjar
essa actividade e quem lha pagasse.
Riu-se outra vez – “comer carne
todos os dias”… Talvez valesse a pena descobrir a moça e casar-se com ela! Só
que não se aguentaria limpo e saudável o tempo necessário para a cativar.
Tinha passado a semana anterior a
visitar centros comerciais e a Baixa, para descobrir que hoje em dia, os empregados
de loja devem ser bonitas raparigas e não homens maduros e pouco bonitos, só
que os anúncios nas montras nunca o diziam. Se calhar era proibido dizerem, seria
discriminação sexual explícita – claro que a implícita também era ilegal mas sendo
virtualmente impossível de provar podia-se fazer. Claro que não perceber nada
de moda nem de meias de malha também não tinha ajudado, não há dúvida que
qualquer conhecimento pode vir a ser útil.
Também já correra os
supermercados todos que conhecia mas os horários não eram compatíveis e o
ordenado praticado também não o decidira a sair de vez do trabalho actual.
Os call centers tinham flexibilidade de horário mas fora recusado por
ter “algumas dificuldades de expressão”. Na verdade, foram simpáticos por não
se rirem por um gago concorrer ao lugar… Compreenderam perfeitamente que uma
pessoa tem que tentar tudo.
Hoje iria visitar os McDonalds. Certo,
certo é que tinha de arranjar qualquer coisa antes de perder a casa – 2 dias na
rua e nem ele se contrataria a si próprio, sabia isso perfeitamente pois já o
tinha visto acontecer. 2 dias na rua e passaria a não achar piada nenhuma à
moça boazinha da TV e ao relativismo do espírito humano.
Deu novamente uma gargalhada –
esses dias ainda não tinham chegado, por ele não chegariam nunca e o que
distingue um homem é a capacidade de se rir de coisas tristes.
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