Era manhã de domingo, rodovia calma. Lá do alto de um viaduto, Alice olhava para os pés descalços, cambaleantes, brincando de equilibrar-se.
Num minuto Alice vivia, no outro, Alice no chão. Era estranho olhar-se daquela forma. Imaginava que as pessoas, quando caem de altas distâncias, teriam apenas um crânio rachado e muito sangue em volta de si.
Enfim, esperou um tempo até que encontrassem seu corpo, estranhamente todo retorcido. as pernas formavam um 'v'. Os olhos estavam abertos, vidrados.
Mas era domingo, havia de demorar. Queria chamar o motorista do ônibus que trafegava por uma via distinta. Decerto, se a visse ali naquele estado, poderia chamar uma ambulância e avisar a família e amigos, para que pudessem todos chorar a perda. Ninguém viu.
Por sorte, Alice viu aproximar-se um carro. Uma família! Ótimo! Pessoas que vivem em famílias unidas (parecia ser o caso daquela gente em questão) possuem um coração grandioso. Iriam chamar médicos, polícia, a mãe o pai e o irmão de Alice e iriam dizer palavras de pesar "era tão bonita!", "como era jovem...", "quem será que fez isso com ela?"
O sangue que tomava conta de seu corpo - pois certo tempo já havia se passado - estava viscoso, grudento no asfalto. O carro parou.
Alice deliciou-se com o estardalhaço feito pela matriarca. Agia como se estivesse vendo um dos próprios filhos estirado no chão. Sim! Se a moça desconhecida protestava daquela maneira, certamente os seus pais e amigos também sentiriam o vazio profundamente, talvez até mais. Quem sabe até quisessem ir para o outro lado apenas para não suportar a vida sem ela.
Não demorou muito para que a multidão se chegasse. Agora, passava das nove e meia. O domingo começava a tomar forma.O sol ficara mais forte, os mais dispostos saíam para a rua. Havia um dia inteiro para aproveitar.
Algumas pessoas diziam "burra! garanto que fez isso por causa de homem!" ou então simplesmente Alice ouvia as palavras "covarde!" ou "e a família agora é que sofre! pobre mãe!"
Era tão injusto pensar daquela forma. Mais um tempo se passou e a mãe de Alice chegou até o local. Desmaiou. O pai e o irmão tiraram forças das profundezas de um lugar desconhecido dentro de si mesmos para conciliar a tragédia da morte de Alice e o estado emocional partido da mãe.
No entanto, Alice sorria. Sorria olhando aquela cena. Ela importava. Independente do que pudesse um dia poderia ter pensado, ela era alguém.
- Alice?
- Ahn?
- Então, como eu estava te dizendo, você precisa assinar essas duas vias para que possamos começar a quimio semana que vem. Você entendeu todos os passos? Tem alguma dúvida?
- Nâo, claro que não. Começamos semana que vem.
Alice sorriu com dentes aguados.
E saiu do consultório satisfeita com o trágico fim de si mesma desenhado em sua mente.
5 comentários:
Muito interessante. Final inesperado.
Suellen aprendendo com a Andreia Pires a sacanear seus personagens...
Bem bom esse, Su.
Mazolha quem apareceu! =D Valeu pelos comentários, pessoal =)
Que é Vivo sempre aparece! :P
"Alice sorriu com dentes aguados", e quantas mil vezes por dia a gente não ri assim, né? Adorei essa descrição. Perfeita. :D
Da série 'não sei de onde tirei essa ideia'. =D
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