A FESTA
O salão está
repleto. Paredes e portas de vidro ampliam sua imensidão. A música domina o
ambiente, abafando o vozerio. Todos dançam e dançam e dançam. Os ritmos se
alternam aleatoriamente, sem pausa para descanso. É proibido parar. A cada mudança
de música, sempre há os que não acompanham, por cansaço ou distração. Estes são
inclementemente pisoteados. Sem problema: a intervalos regulares, o pessoal da
limpeza passa recolhendo os corpos em macas assépticas.
Mas
nem todos dançam. O grupo de comando, postado em uma galeria, observa o
movimento, garantindo a normalidade. Os membros, poucos, fartam-se num interminável
banquete. E comem e bebem e conversam e riem e bufam. Vez ou outra jogam as
sobras através das janelas. E aí ocorre outro espetáculo.
Lá
fora estão os que não foram convidados (Paciência... não cabem todos na
festa...). Chamam-se multidão. Famintos e sedentos, disputam ferozmente as
migalhas caídas da galeria. Sem desviar a atenção da dança, à espera da Hora do
Congraçamento. As tentavas de rebelião,
forçando a entrada, são frequentes. Sem problema: o grupo da segurança, sempre
atento e bem treinado, rechaça-as prontamente. Ás vezes é necessário um pouco
de violência. Fazer o quê?
Todos
os dias, pontualmente às 18h, ocorre algo maravilhoso: abrem-se as portas, e os
de fora entram (como por milagre, o salão acomoda todos); os da galeria descem,
passando por um corredor de admiradores e unindo-se aos demais; os que dançam não
param, mas agora a música é lenta. Então se escolhe um destes últimos, e o
felizardo dirige orações e cânticos enaltecendo
o amor fraterno. Todos acompanham, emocionados. Os olhos fixos nas imagens oníricas
projetadas num telão. Depois se abraçam e sorriem e choram.
Ao
final, é servido um lanche. Os da galeria recusam, já de volta a seus postos. Os
que dançam disputam com os outros, geralmente levando vantagem. Os exitosos
comem com sofreguidão.
Passado
o torpor, os de fora são convidados a se retirar (Às vezes com um pouco de violência.
Paciência...), os que dançam acompanham o novo ritmo, agora mais vibrante, e os
da galeria se revezam em uma sesta extemporânea.
E a festa
continua.
3 comentários:
"Paciência... não cabem todos na festa..." Muito, muito bom!
Fantástico! Perfeita analogia! Festa escabrosa, onde somos inculcados a adorá-la e desejá-la. Parabéns!
Mto obrigado, Marco Aurélio e Henrique, pela leitura e pelos comentários. Vocês entenderam exatamente o que eu quis dizer. Abraços.
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