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sexta-feira, 3 de abril de 2015

A FESTA

A FESTA


O salão está repleto. Paredes e portas de vidro ampliam sua imensidão. A música domina o ambiente, abafando o vozerio. Todos dançam e dançam e dançam. Os ritmos se alternam aleatoriamente, sem pausa para descanso. É proibido parar. A cada mudança de música, sempre há os que não acompanham, por cansaço ou distração. Estes são inclementemente pisoteados. Sem problema: a intervalos regulares, o pessoal da limpeza passa recolhendo os corpos em macas assépticas.
            Mas nem todos dançam. O grupo de comando, postado em uma galeria, observa o movimento, garantindo a normalidade. Os membros, poucos, fartam-se num interminável banquete. E comem e bebem e conversam e riem e bufam. Vez ou outra jogam as sobras através das janelas. E aí ocorre outro espetáculo.
            Lá fora estão os que não foram convidados (Paciência... não cabem todos na festa...). Chamam-se multidão. Famintos e sedentos, disputam ferozmente as migalhas caídas da galeria. Sem desviar a atenção da dança, à espera da Hora do Congraçamento.  As tentavas de rebelião, forçando a entrada, são frequentes. Sem problema: o grupo da segurança, sempre atento e bem treinado, rechaça-as prontamente. Ás vezes é necessário um pouco de violência. Fazer o quê?
            Todos os dias, pontualmente às 18h, ocorre algo maravilhoso: abrem-se as portas, e os de fora entram (como por milagre, o salão acomoda todos); os da galeria descem, passando por um corredor de admiradores e unindo-se aos demais; os que dançam não param, mas agora a música é lenta. Então se escolhe um destes últimos, e o felizardo  dirige orações e cânticos enaltecendo o amor fraterno. Todos acompanham, emocionados. Os olhos fixos nas imagens oníricas projetadas num telão. Depois se abraçam e sorriem e choram.
            Ao final, é servido um lanche. Os da galeria recusam, já de volta a seus postos. Os que dançam disputam com os outros, geralmente levando vantagem. Os exitosos comem com sofreguidão.
            Passado o torpor, os de fora são convidados a se retirar (Às vezes com um pouco de violência. Paciência...), os que dançam acompanham o novo ritmo, agora mais vibrante, e os da galeria se revezam em uma sesta extemporânea.
E a festa continua.

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Edelson Nagues
(nome literário de EDELSON RODRIGUES NASCIMENTO) é natural de Rondonópolis/MT e radicado em Brasília/DF. Estudou Direito e Filosofia, com pós-graduação em Língua Portuguesa. É poeta, escritor, revisor de textos e servidor público. Na década de 1980 e início da década seguinte, em seu estado de origem, atuou na área musical, como vocalista e principal letrista do Grupo Reciclagem, tendo participado de vários festivais universitários e de festivais regionais e nacionais da Caixa Econômica Federal, obtendo diversas premiações, inclusive como intérprete e letrista. Na época, funcionário da CEF, atuava como representante do então recém-criado Conjunto Cultural (hoje denominado Caixa Cultural) em Mato Grosso. Premiado e/ou selecionado para coletâneas em vários concursos literários, entre os quais se destacam: Concurso Nacional de Poesia “Adilson Reis dos Santos” (2012, Ponta Grossa/PR), XXXIII Concurso “Fellipe d’Oliveira” (2011, Santa Maria/RS), Prêmio Prefeitura de Niterói (2011), XXI Concurso Nacional de Contos “José Cândido de Carvalho” e XII FestiCampos de Poesia Falada (ambos em 2011, Campos dos Goytacazes/RJ), Concurso Novo Milênio de Literatura (Vila Velha/ES, 2010), IV Concurso Nacional de Contos do SESC-Amazonas (2010, Manaus/AM), VI Desafio dos Escritores (Brasília/DF, 2010), XL Concurso Literário “Escriba” (Piracicaba/SP, 2009). É autor dos livros Humanos (coletânea de contos premiados) e Águas de Clausura (de poesia, vencedor do X Prêmio Livraria Asabeça), ambos publicados pela Scortecci Editora. É membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (de Cachoeiro de Itapemirim/ES) e mantém (ou tenta manter) o blog pessoal www.senaoescrevodoi.blogspot.com.
todo dia 03


3 comentários:

"Paciência... não cabem todos na festa..." Muito, muito bom!

Fantástico! Perfeita analogia! Festa escabrosa, onde somos inculcados a adorá-la e desejá-la. Parabéns!

Mto obrigado, Marco Aurélio e Henrique, pela leitura e pelos comentários. Vocês entenderam exatamente o que eu quis dizer. Abraços.

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