Destino é invenção de gente insegura. Diná as vezes tinha vontade de mandar fazer uma camiseta com a sentença estampada em caixa alta. Em vermelho sinaleira, para não restar dúvida e evitar a aproximação da turma do “Deus sabe o que faz”. Consciente de que andava azeda, entendia também que a fossa era inevitável. Tinha obrigação de cumprir o ciclo cinza até o final, esgotar a dor, antes de retomar o colorido. Podia lidar com contratempos, com imprevistos, com problemas, com tragédias, até, mas não contava com a sequência de catástrofes em sua vida. Estava sufocando debaixo de tanto infortúnio e não alcançava as tintas para se repintar.
Realizava tarefas cotidianas como máquina, porque alguém deveria fazê-las, mas era como se mandasse apenas o corpo para a rua. A alma ficava perdida entre as gavetas do armário, cheia de nada. Segundo dia do mês, péssimo para ir ao banco. Era isso ou arcar com uma multa gorda e o beiço do marido. Senha na mão, Diná sentou-se na cadeira vaga na área de espera. Perderia coisa de uma hora naquela bobagem. O senhor ao lado puxou conversa, ignorando sua cara de não-quero-papo. Entre sorrisinhos e concordâncias, lá pelas tantas o homem professa, hoje em dia tem filho a mulher que pode e não a que quer. Depois dos trinta a capacidade de engravidar cai pela metade e a mulher tem tantas tarefas, tantos compromissos que vai deixando a formação da família em segundo plano e quando vê não dá mais tempo, perdeu o bonde. Por que raios ele entrou nesse assunto, pensou Diná, enquanto respondia ah é para o falante senhor, não por acaso obstetra aposentado.
Saiu com a conta paga e a resistência por um fio. Chega, sabe? Não posso acreditar que estou nessa vida para colecionar perdas feito troféus ao avesso. Perdi o viço buscando a colocação que eu merecia na empresa, depois de anos de dedicação e estudo. Perdi a confiança no meu marido, que provavelmente me trai com alguma ordinária da firma e pensa que me engambela com a conversa da hora extra, da pilha de relatórios para amanhã ou de que ficou preso no trânsito ou. Perdi o emprego para uma criatura mais jovem, mais magra e mais alta, com quilômetros de lattes. Perdi a criatividade. Perdi a energia. Perdi meu filho na sexta semana da gestação, pela segunda vez. E já passei dos trinta. Impressionante como nada evolui, nada nasce de mim. Voltou a pé para casa. Subiu os seis lances de escada. Entrou. Num impulso, foi até a sacada e sentou no parapeito. A vista dava para os fundos do prédio, circundado com grades pontiagudas e cerca elétrica. Despencar dali era morte indiscutível.
Comum em duplas sertanejas, a segunda voz normalmente é feita pelo sujeito menos expressivo e mais discreto, que tem o papel fundamental de dar o eixo à voz principal. É quem faz pouco sucesso com fãs, mas segura as pontas e apara os exageros do protagonista, não deixa a canção se perder em agudos, não descompassa, pelos dois. Diná não cantava, literalmente, mas é possível que sua ladainha mental tenha encorajado uma segunda voz. Pensa melhor, Diná, disse o rapaz quase transparente, debruçado ao lado dela. Olha bem, olha fundo, olha ao redor. O que mais fazes é gerar. Apavorada com a ideia de estar louca, para completar a derrota, desceu de onde estava, correu para a cama, cobriu-se com o lençol até a cabeça e ferrou no sono. O rapaz fez sua parte. Regou as violetas, o pé de salsa, o de manjericão e o tomateiro de Diná, que recém dava as primeiras flores amarelas, e sumiu.
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