Joaquim Bispo
Quando o telemóvel emitiu o trinado de nova mensagem, Susana saltou para o agarrar e sentiu o coração acelerar-se. Se este não a enganava, o toque festivo prenunciava que iria ser a rapariga mais feliz da turma.
Nessa manhã, regressara à escola para iniciar o 8º ano. Longe de o sentir como uma maçada, a perspectiva de rever as amigas fizera-a saltar da cama cheia de entusiasmo. Não foi preciso a mãe insistir para se levantar. Tomou duche de um jacto e vestiu-se a correr. Irritou-se por não encontrar um soutien completamente confortável. Estavam todos a deixar de servir. Escolheu um vestido rosa por sobre umas calças de ganga e os ténis azuis. Deu um pouco mais de tempo ao cabelo, sempre solto sobre os ombros. A mãe torceu o nariz à escolha da roupa, enquanto ela engolia uma tigela de flocos. Pôs três cadernos e uma caixa de esferográficas na mochila e desceu as escadas rapidamente. Gostou de sentir no rosto, outra vez, o ar fresco da manhã. Vieram-lhe à memória as recordações de sons e cheiros de outras manhãs de outros anos escolares. Era bom voltar à escola.
Aos dez para as oito, estava a cruzar o portão da escola. A Mariana já lá estava. Quando chegou a Catarina, abraçaram-se as três, pulando e gritando de alegria. Era tão bom revê-las, depois de quase três meses sem se encontrarem. Só os diferentes planos dos pais as separavam. As férias familiares levavam-nas sempre para sítios díspares. Susana começara por ir à terra do pai, lá para as Beiras e depois estivera em Armação de Pêra quase um mês. Lá, encontrou os amigos de outros anos e teve umas férias divertidas, mas estas duas eram especiais. Já as tinha por amigas desde o primeiro ano. Se uma se atrasava, as outras duas esperavam para entrarem as três na sala de aula ao mesmo tempo. Iam juntas ao centro comercial, ao cinema, e a um ou outro concerto, mas com o apoio logístico dos pais.
Depois das primeiras trocas de novidades de viva voz, que por telemóvel já tinham feito o resumo, passaram ao encontro com outros colegas. Cada nova entrada era uma festa. Beijos, abraços e gritos. O que mais surpreendeu Susana, neste regresso à escola, foi o ar tão - como dizer? - infantil dos colegas rapazes. Parecia que, em vez de crescerem, ficavam mais pequenos. E continuavam com as conversas parvas do costume. Felizmente que havia novos ingressos. Um deles era alto, cabelo preto e uma postura de grande auto-confiança. Riram-se as três, nervosamente, quando ele olhou de longe para elas. Algumas perguntas percorriam o íntimo de cada uma.
– De que escola terá vindo? – perguntou Mariana, sem esperar resposta. «Que idade terá?», pensou Susana.
Mais nervosas ficaram quando confirmaram que o rapagão iria ficar na mesma turma.
Nas apresentações da aula de Português B, ficaram a saber que se chamava Filipe e que tinha quinze anos. No intervalo seguinte, ficaram a espiá-lo pelo canto do olho e quando ele se aproximou puderam ver-lhe o dourado dos olhos cor de mel. Trocaram piadas e números de telemóvel. Filipe era muito divertido, com um sentido de humor estimulante. E já tinha mudado a voz, o que era um progresso no timbre das conversas do grupo. Parecia que tinham passado de nível neste jogo real.
Quando, ao jantar, o telemóvel retiniu em tom festivo, Susana agarrou-o com nervosismo e tão atabalhoadamente que se lhe escapou da mão e caiu, separando-se a tampa e a bateria. Voltou a montá-lo e leu a nova mensagem:
kurti bue falar kntg kerx ir oh xinema xabad?
Reparando na agitação da filha, a mãe perguntou-lhe:
– O que é que se passa, Susana?
– Nada, mãe, foi a Catarina que nos arranjou bilhetes para ir ver o Harry Potter no sábado. Posso ir?
Susana ficou sem saber se o rubor que lhe queimava a face era por ter mentido à mãe, se por perceber que este ano escolar iria ser muito diferente dos anteriores.
Com o pretexto de organizar os cadernos, foi para o quarto logo a seguir ao jantar e deitou-se em cima da cama a imaginar como seria o sábado: o que levaria vestido, se ele lhe pegaria na mão, se trocariam algum beijinho. Ele seria atrevido ou tímido? Hesitava na resposta: dizer que sim, sem mais, ou dizer que ainda não sabia se podia ir, para ter tempo de o avaliar melhor. Até podia dizer que no dia seguinte falariam sobre a ida ao cinema.
O telemóvel retiniu de novo e Susana, de novo, saltou a apanhá-lo. Tinha a certeza que era o Filipe, já impaciente. Mas não. Era a Mariana. Feliz da vida, porque o Filipe lhe tinha enviado uma mensagem a convidá-la para ir ao cinema.
– Que bom, Mariana! E o que lhe vais dizer? – interessou-se Susana, com o tom mais natural do mundo.
– O que já disse. Que sim, claro! Achas que eu ia dizer que não? Vamos ver o Harry Potter ao centro comercial.
Susana desculpou-se dizendo que tinha que ajudar a mãe e acabou rapidamente a conversa radiosa da amiga. Virou-se de barriga para baixo e deixou as lágrimas escorrer para a colcha. Sentia-se a rapariga mais infeliz do mundo. Logo agora, que pensava que iria viver um romance bonito. E magoava-a que tivesse sido a própria amiga a trai-la, mesmo sem o saber.
Revoltada, pegou no telemóvel, alterou a identidade para «anónimo», e escreveu:
Veja por onde anda a sua filha. Sabe aonde ela vai sabado?
Seleccionou o número de telemóvel da mãe da Mariana, mas hesitou antes de enviar. Não podia fazer esta maldade à amiga. Ela não tinha culpa nenhuma e, mesmo que tivesse, era uma amiga de muitos anos. Apagou a mensagem, pensativa.
Passado um bocado e aceite o fracasso, começou a sentir que, vistas bem as coisas, até tinha sido útil não ter respondido logo ao Filipe e ter, assim, percebido que tipo de rapaz ele era. Uma ideia começou a germinar na sua cabeça. Para alguma coisa haviam de servir as telenovelas. Pegou no telemóvel e escreveu:
Eu ate gostava Filipe mas tenho que ficar em casa porque os meus pais vao para fora e eu tenho que tomar conta dos caes. Não queres vir tu ca a casa? Vamos para o meu quarto e vemos o senhor dos anéis que eu saquei da net. Sim? Mas não digas nada as colegas.
Com um convite destes, não duvidava que Filipe arranjaria uma desculpa para cancelar a sessão de cinema com a Mariana. E quando ele ali chegasse no sábado, a imaginar uma tarde de «marmelada», havia de as encontrar às três, a rir da cara dele, pelo logro em que caíra, e tudo acabaria em galhofa.
Ou não... Mais uma vez, hesitou antes de enviar a mensagem. Voltou a cabeça e encarou-se no espelho do roupeiro. Viu uma miúda, apenas, a querer brincar aos crescidos. E, não estava a gostar de se ver nestes papéis mesquinhos de adultos encornados. Uma coisa eram as histórias das telenovelas, outra, as situações com pessoas reais. Apagou a mensagem e escreveu:
Sabado não posso desculpa
Enviou a mensagem para o Filipe, desligou o som do telemóvel e foi-se deitar que no dia seguinte era mais um dia de escola e queria chegar cedo para estar com os amigos. Todos.
[Este texto foi alterado em 22 e 23/10].
1 comentários:
ESCREVEU O QUÊ??? Isso não se faz, Quinzinho! Puxa vida, seu conto ganhou outro aspecto. Gostei muito da mudança. Mas falta o final. Não sei o que sugerir, mas aprovo a reforma.
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