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quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Companhia Limitada

Volmar Camargo Junior

 

 

 

 

            João Barros, engenheiro civil, levou seu currículo a uma empreiteira.

 

            No primeiro dia de trabalho, o chefe mandou-o descarregar uma caçamba de areia, carregar cinqüenta sacos de cimento, empilhar dez milheiros de tijolos furados e, antes do fim da tarde, devia lavar as ferramentas. Indignado, João Barros pediu demissão.

 

            — Não estudei quinze anos para trabalhar de servente de pedreiro.

            — Entendo... mas os meus pedreiros trabalham aqui há mais tempo que isso.

            — O azar é deles. Se puder fazer o favor de devolver meu currículo...

            — Assinou um contrato, rapaz. É meu funcionário, e não quero demiti-lo. Agora volte para a obra e só retorne aqui quando tiver calos nas mãos.

 

            Então ignorou a presença de João Barros voltando para a planilha sobre a mesa. O engenheiro vociferou.

 

            — Vou botar você na justiça, filho-da-puta.

 

            O chefe levantou-se devagar. Serenamente, andou até João com o currículo na destra, e, com a canhota, desferiu-lhe um murro na cara. Jogou o papel aos pés do rapaz.

 

            João Barros com o nariz arrebentado e a camisa ensopada de sangue deixou do escritório batendo a porta. Ao pisar na rua, ligou para o advogado da família.

 

“Quero tirar até as meias desse corno!”

 

Em todas as instâncias, após todos os recursos, cumpriu-se a justiça. Venceu João Barros.

                                                                  

O ex-chefe precisou vender a empreiteira para pagar a indenização. Voltou a ser pedreiro. Rodou a cidade procurando trabalho. Em todos os edifícios em andamento havia a placa de uma nova construtora, “João-de-Barro Engenharia & Cia. Ltda”. E o ex-chefe foi recusado em todas as obras.

 

João Barros fez a empresa triplicar seu capital. Em pouco tempo, estava muito rico. A cidade virou um canteiro de obras. Prefeito, Governador, até Ministro contratou a “João-de-Barro Engenharia & Cia. Ltda” para obras públicas. Pastores, padres e pais-de-santo mandaram erguer novos templos. Veio para o local uma emissora de televisão, um jornal de grande circulação, e um estúdio de cinema. A cidade cresceu. E João virou Dr. Barros.

 

Mesmo bem sucedido, Dr. Barros não era feliz. Sofria com um vazio inexplicável. Como compensação, gratificava a si mesmo com qualquer coisa que proporcionasse prazer. Certa noite, guiando seu esportivo, embrenhou-se na zona de tolerância. Distraído, pensando se queria uma companheira ou duas, atropelou alguém.

 

            Desceu.

 

— Você está bem? – perguntou sem obter resposta.

 

Ligou para a emergência, e no mesmo instante ouviu-se a sirene à distância. Abaixou-se para sentir a pulsação do indivíduo. Pondo-lhe os dedos no pescoço, olhou pela primeira vez para o rosto da vítima. Não teve dúvidas. Era o ex-chefe.

 

 

A ambulância chegou em poucos minutos. Os para-médicos encontraram, estendido no asfalto, um homem morto, vítima de atropelamento. Estava completamente nu.

           

            A sensação de vazio nunca mais incomodou Dr. Barros.  

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