Machado de Assis dispensa apresentação. Neste ano, centenário de sua morte, muito se tem comentado na imprensa, tanto sobre o homem, quanto sobre sua extensa obra. Dela fazem parte alguns dos melhores textos em prosa já produzidos em língua portuguesa. Seus contos e romances são leitura obrigatória, quer nas lições do colégio, quer por gosto da literatura. Escritor completo, entretanto, Machado de Assis não escreveu apenas prosa. Há também teatro e poesia, gêneros aos quais não se dedicou tanto, o que nem por isso lhe diminui a qualidade de suas produções.
Classificam-se, em geral, os textos machadianos num primeiro momento, romântico, que inclui Helena, Ressureição, Iaiá Garcia, e num segundo, por vezes considerado realista, por vezes inclassificável, onde estão as obras que se lhe consideram primas, como Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, entre tantas outras. Se classificar os textos em prosa já suscita discussões, no que tange à sua poesia as classificações são ainda menos precisas. Que os primeiros poemas enquadram-se bem nos cânones do romantismo, não há dúvida. Mas seus temas passam pelo indianismo, e sua forma, mais tardia, se aproxima dos parnasianos. Independente dessas questões acadêmicas, o que Machado de Assis nos traz com seus versos é aquilo que, em síntese, toda poesia carrega em si: a possibilidade de produzir no leitor, por uma combinação mágica de forma e conteúdo, um frêmito, uma emoção, um estado de alma. Eis aqui uma pequena amostra desse aspecto menos popularizado, do texto de Machado de Assis:
MUSA CONSOLATRIX
Que a mão do tempo e o hálito dos homens
Murchem a flor das ilusões da vida,
Musa consoladora,
É no teu seio amigo e sossegado
Que o poeta respira o suave sono.
Não há, não há contigo,
Nem dor aguda, nem sombrios ermos;
Da tua voz os namorados cantos
Enchem, povoam tudo
De íntima paz, de vida e de conforto.
Ante esta voz que as dores adormece,
E muda o agudo espinho em flor cheirosa,
Que vales tu, desilusão dos homens?
Tu que podes, ó tempo?
A alma triste do poeta sobrenada
À enchente das angústias,
E, afrontando o rugido da tormenta,
Passa cantando, alcíone divina.
Musa consoladora,
Quando da minha fronte de mancebo
A última ilusão cair, bem como
Folha amarela e seca
Que ao chão atira a viração do outono,
Ah! no teu seio amigo
Acolhe-me, — e haverá minha alma aflita,
Em vez de algumas ilusões que teve,
A paz, o último bem, último e puro!
Que a mão do tempo e o hálito dos homens
Murchem a flor das ilusões da vida,
Musa consoladora,
É no teu seio amigo e sossegado
Que o poeta respira o suave sono.
Não há, não há contigo,
Nem dor aguda, nem sombrios ermos;
Da tua voz os namorados cantos
Enchem, povoam tudo
De íntima paz, de vida e de conforto.
Ante esta voz que as dores adormece,
E muda o agudo espinho em flor cheirosa,
Que vales tu, desilusão dos homens?
Tu que podes, ó tempo?
A alma triste do poeta sobrenada
À enchente das angústias,
E, afrontando o rugido da tormenta,
Passa cantando, alcíone divina.
Musa consoladora,
Quando da minha fronte de mancebo
A última ilusão cair, bem como
Folha amarela e seca
Que ao chão atira a viração do outono,
Ah! no teu seio amigo
Acolhe-me, — e haverá minha alma aflita,
Em vez de algumas ilusões que teve,
A paz, o último bem, último e puro!
(Crisálidas, 1864)
LUA NOVA
Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la assoma serena e indecisa:
Sopro é dela esta lânguida brisa
Que sussurra na terra e no mar.
Não se mira nas águas do rio,
Nem as ervas do campo branqueia;
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar.
E iam todos; guerreiros, donzelas,
Velhos, moços, as redes deixavam;
Rudes gritos na aldeia soavam,
Vivos olhos fugiam p’ra o céu:
Iam vê-la, Jaci, mãe dos frutos,
Que, entre um grupo de brancas estrelas,
Mal cintila: nem pôde vencê-las,
Que inda o rosto lhe cobre amplo véu.
E um guerreiro: “Jaci, doce amada,
Retempera-me as forças; não veja
Olho adverso, na dura peleja,
Este braço já frouxo cair.
Vibre a seta, que ao longe derruba
Tajaçu, que roncando caminha;
Nem lhe escape serpente daninha,
Nem lhe fuja pesado tapir.”
E uma virgem: “Jaci, doce amada,
Dobra os galhos, carrega esses ramos
Do arvoredo coas frutas que damos
Aos valentes guerreiros, que eu vou
A buscá-los na mata sombria,
Por trazê-los ao moço prudente,
Que venceu tanta guerra valente,
E estes olhos consigo levou.”
E um ancião, que a saudara já muitos,
Muitos dias: “Jaci, doce amada,
Dá que seja mais longa a jornada,
Dá que eu possa saudar-te o nascer,
Quando o filho do filho, que hei visto
Triunfar de inimigo execrando,
Possa as pontas de um arco dobrando
Contra os arcos contrários vencer.”
E eles riam os fortes guerreiros,
E as donzelas e esposas cantavam,
E eram risos que d’alma brotavam,
E eram cantos de paz e de amor.
Rude peito criado nas brenhas,
— Rude embora, — terreno é propício;
Que onde o gérmen lançou benefício
Brota, enfolha, verdeja, abre em flor.
Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la assoma serena e indecisa:
Sopro é dela esta lânguida brisa
Que sussurra na terra e no mar.
Não se mira nas águas do rio,
Nem as ervas do campo branqueia;
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar.
E iam todos; guerreiros, donzelas,
Velhos, moços, as redes deixavam;
Rudes gritos na aldeia soavam,
Vivos olhos fugiam p’ra o céu:
Iam vê-la, Jaci, mãe dos frutos,
Que, entre um grupo de brancas estrelas,
Mal cintila: nem pôde vencê-las,
Que inda o rosto lhe cobre amplo véu.
E um guerreiro: “Jaci, doce amada,
Retempera-me as forças; não veja
Olho adverso, na dura peleja,
Este braço já frouxo cair.
Vibre a seta, que ao longe derruba
Tajaçu, que roncando caminha;
Nem lhe escape serpente daninha,
Nem lhe fuja pesado tapir.”
E uma virgem: “Jaci, doce amada,
Dobra os galhos, carrega esses ramos
Do arvoredo coas frutas que damos
Aos valentes guerreiros, que eu vou
A buscá-los na mata sombria,
Por trazê-los ao moço prudente,
Que venceu tanta guerra valente,
E estes olhos consigo levou.”
E um ancião, que a saudara já muitos,
Muitos dias: “Jaci, doce amada,
Dá que seja mais longa a jornada,
Dá que eu possa saudar-te o nascer,
Quando o filho do filho, que hei visto
Triunfar de inimigo execrando,
Possa as pontas de um arco dobrando
Contra os arcos contrários vencer.”
E eles riam os fortes guerreiros,
E as donzelas e esposas cantavam,
E eram risos que d’alma brotavam,
E eram cantos de paz e de amor.
Rude peito criado nas brenhas,
— Rude embora, — terreno é propício;
Que onde o gérmen lançou benefício
Brota, enfolha, verdeja, abre em flor.
(Americanas, 1875)
MUNDO INTERIOR
Ouço que a Natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.
Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.
E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,
Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.
(Ocidentais, 1901)Ouço que a Natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.
Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.
E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,
Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.
TRAVESSA
Ai; por Deus, por vida minha
Como és travessa e louquinha!
Gosto de ti — gosto tanto
Dessa tua travessura
Que não me dera o meu encanto,
Que não dera o meu gostar,
Nem por estrelas do céu.
Nem por pérolas ao mar!
Alma toda de quimeras
Que acordou no paraíso
Vinda do leito de Deus;
E que rivais de teus olhos
Só tens dois olhos — os teus!
Pareces mesmo criança
Que só vive e se alimenta
De luz, amor e esperança.
Ave sem medo à tormenta
Que salta e palpita e ri,
As travessas primaveras
Assentam tão bem em ti!
Assentam sim, como as asas
Assentam no beija-flor,
Como o delírio dos beijos
Em uma noite de amor;
Como no véu que se agita
De beleza adormecida
A brisa mole e sentida!
Foi por ver-te assim — travessa
Que eu pus a minha esperança
No imaginar de criança
Dessa formosa cabeça...
Foi por ver-te assim — Que os sonhos
Eu sei como os tens eu sei.
Puros, lindos e risonhos.
Um coração novo e calmo
Onde a lei do amor — é lei;
Foi por ver-te assim, que eu venho
Pôr em ti as fantasias
De meus peregrinos dias.
Como a esperança no céu:
Em ti só, que és tão louquinha,
Em ti só pôr a minha vida!
(in Poesias Dispersas, pub. original O Espelho, 18 dez. 1859)
fonte dos textos: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=11300&Itemid=1338&sistemas=1
fonte da imagem:http://orbita.starmedia.com/~wlad/Image2.jpg
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