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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Náufrago

náufrago
era preciso que se agarrasse
a qualquer pedra, ou planta, ou alga
que alcançasse, com o pé, apoio
um só ponto que fosse
ou que enchesse de ar o peito
até se tornar, ele próprio, bóia...

era preciso que houvesse algo
era imperativo que achasse
a pedra, a planta, o apoio
era ugente que se lembrasse
ao menos, de respirar...

sem saber como ir para cima ou para baixo
sem saber onde o sul, onde o norte
por momentos fechava os olhos, entorpecido,
imaginava-se em doces braços amorosos...

porque quando vinham as enormes vagas
e o escuro do céu sem luar e sem estrelas
se confundia com o escuro da profundeza infinita
- do mar, de si mesmo, de tudo -
era preciso, antes, acreditar...

a água lhe congelava as entranhas
já não sentia dor, nem frio, nem medo
bastava deixar-se ir ao sabor das correntes
a alma presa ao corpo por fio tão tênue...

náufrago
num momento qualquer, se decidiu
num momento sem importância
sem marca, sem sentido
num instante comum
- pudera ser outro -
deixou-se, simplesmente, ir com as águas
deixou-se...

seu corpo-água se desfazendo
os pensamentos-água desintegrando
os sentimentos-água se diluindo
naquele mar de corações
salgados
afogados
retorcidos...

náufrago e mar
um só
para sempre

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