Maria de Fátima Santos
poema I - requium
Arrumas os sapatos
Os olhos pardos
As mãos cismando
O salto muito alto
Arrumas um só par
Um depois do outro
Sem cordões nem fivelas
Lisos, envernizados
Sapatos encarnados
Cor do fogo
Papoilas esfusiantes
Sapatos cor do sangue
Vermelhos
Arrumados
Teus olhos recordando.
poema II - maresias
Tinhas um ar descalço.
Odoravas salgado,
Nu.
Algas e sargaço.
Sobravam flores de ti.
Papoilas,
Malmequeres,
Crisantos,
Rosas vermelhas.
A flor do cravo,
Orquídeas.
Colar de sombra.
Desmedidas.
E tu com ar descalço,
E tu sabida a sal,
A ondas de levante.
Sobrada da paisagem,
Soltada de desnorte,
Caminhada de longe,
Trazida sei lá de onde,
Sereia, mulher, menina
Sonhavas horizontes।
poema III - flache
Ela encostou-se.
Um cotovelo.
Tu mastigavas um rissol.
Viscoso.
Feio. Insaboroso.
Ela encostou de leve.
Um cotovelo sobre a madeira do balcão.
Um cotovelo vestido de vermelho.
Lá fora chovia em amarelo.
Lá fora chovia frio.
O sol esmaecia em fim de dia.
E ela quase nem encostada.
E ela com olhos cor da chuva.
Os olhos dela.
Amarelos.
E o cotovelo vestido de encarnado.
E tu a mastigar.
E tu a descobrir o traço.
O risco rosa a contornar-lhe o lábio.
A boca num sorriso tonto.
E tu olhando cores
O rosada da língua
o amarelo dos olhos
o negro das pestanas.
E o teu rissol a escorrer
mole.
E o cotovelo dela a roçar o balcão
E os olhos dela cor de mel
E o risco no contorno da boca,
cor-de-rosa.
Lá fora chove em muito cinzento.
Tu sabes que foi um roçar diverso.
Engoles o rissol engordurado e sais.
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