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quarta-feira, 13 de agosto de 2014

PROMETO





Sentia pena daqueles que não haviam conhecido os avós.  Mesmo os avós ruins, até estes valiam a pena ser conhecidos, pois, quando nada de bom deixavam, permitiam ao menos uma melhor compreensão dos pais.
Conhecera o avô paterno. Forte, bonito, quieto, monossilábico. Dele, apenas duas lembranças: um dia, quando bem pequena, sentou em seu colo e fez a cópia de um quadro na parede, a cabeça de um cachorro.  O avô fez uma cópia também. Compararam, comentaram e riram. Anos depois, a lembrança dele na cama, doente, os músculos de nadador minguados; os belos dentes sumidos da boca.
A avó paterna, volumosa, bonita, falante, lhe concedera mais momentos. Por conta da gordura, tinha um colo pequeno, porém acolhedor. A pele das mãos e dos braços era fina, craquelê: mais do que lembrança, herança.   Fazia um doce de leite encaroçado de revirar os olhos, usava uma lavanda deliciosa, com cheiro de avó, contava histórias de sua mocidade, histórias fascinantes até mesmo nos capítulos tristes.
O pai de sua mãe não a esperou, uma pena, foi-se antes.  Conheceu-o por fotos, fotos em tom sépia desbotado. Soube que fora um homem bom, bancário de confiança que tinha a chave do banco e a levava para casa. Dera à família carinho, conforto, um lar com quintal grande e belas parreiras. Levava os filhos para cavalgar nas estâncias gaúchas.
A mãe da mãe foi sua grande paixão. Avó querida, de cabelos bem brancos e vestidos de jersey. Ouvia rádio de pilha numa poltrona, conversava, ria, acolhia, brincava.  Não enxergava. Mesmo sem enxergar, foi quem lhe ensinou a escrever o próprio nome e quem mais apreciou sua conquista.
Um dia, a avó-paixão pegou-a no colo e pediu:
− Quero que me prometa uma coisa... que no dia que a vovó morrer, não vai chorar nem ficar triste.
− Prometo ─ respondeu, confiante.
A avó morreu-se no dia seguinte.
            Hoje, anos depois, não tem mais avôs nem avós. Tem carinho e lembranças que variam em tamanho e profundidade.
Compreende o ciclo da vida e o aceita sem grandes questionamentos.

Estranhou a ausência do avô monossilábico, chorou a falta da avó volumosa. Construiu lembranças do avô que não conheceu. Quanto à avó-paixão, cantarola até hoje quando sente saudades. É boa em cumprir promessas. 

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3 comentários:

Bem-vinda! Ainda mais com esse texto de estreia que é de uma sensibilidade simples e doce. Melancólico e bonito.

Que delicadeza para tratar das diferenças... bonito ver como elas se reúnem nas lembraanças...

Lindo texto, realmente muito tocante, Ana. Quando se fala em criança e vovós... Seja muito bem-vinda! ;)

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