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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O Bradock de Copacabana

Em uma loja de ferragens na Rua República do Peru, em Copacabana, vive Bradock, o gato mais tranquilo, ousaria dizer zen, que eu tive oportunidade de conhecer – e olhem que eu conheço uma infinidade de bichanos pois sou daqueles que cultivo o estranho hábito de conversar com gatos de rua. Acho que já até escutei de rabicho de ouvido, alguém se referir a mim pelo bairro como “aquele sujeito meio maluco que fala com tudo quanto é gato”. Mas voltando ao Bradock e deixando de lado os outros felinos com quem travo amizade, dá gosto ver como ele consegue manter a paz de espírito tendo ao seu redor todo o caos urbano que só Copacabana é capaz de proporcionar.
Bradock é altamente sociável. Qualquer pessoa que entre na loja de ferragens por ele é bem recebido, seja enroscando-se nos tornozelos do cliente ou deixando algum frequentador acariciar o seu pêlo, ainda lustroso apesar da idade, pois Bradock já aparenta ser um senhor contando com mais de 10 dez anos de vida. Seu local predileto é o balcão da loja, onde ele permanece em uma atitude zen, totalmente contrária ao seu bélico nome, dado em homenagem a um Rambo de ocasião, deitando de lado, sacudindo em pêndulo o rabo tigrado. Ele é capaz de permanecer assim por horas, até que algum funcionário gentilmente o coloque no chão para poder utilizar-se do balcão. Certos moradores da região, nos quais eu me incluo, eventualmente dão uma chegada na loja não em busca de um parafuso, ferramenta o seja lá o que for, mas sim com o mero objetivo de fazer-lhe um agrado, brincar um pouquinho com aquele simpático pedacinho de selva.
Nunca o vi em atitude agressiva, dentes à mostra, miado intimidador ou pelo eriçado. Tal comportamento não combina com Bradock. Quando ele se aventura pela calçada em frente à loja e lá fica sentado sob as patas traseiras como uma pequena esfinge felina, o movimento dos pedestres lhe é indiferente. Somente a ação de um cachorro mais agressivo o faz sair do seu quase estado de “meditação” e, nessas ocasiões em que o perigo se torna iminente, prefere o aconchego da loja ao duelo com ofensor de quatro patas e, movido por fantástica habilidade, traça um caminho de fuga sempre bem sucedido. Minutos depois, retorna a calçada e lá permanece, sem aparentar medo, ou rancores.
Para Bradock, a vida é bela, simples e merece ser bem vivida. Se todos os humanos fossem tão zens como você, meu caro amigo felino, talvez o mundo fosse um pouco melhor.
Falando em gatos e em atitudes zen, vai aqui uma pequena história envolvendo bichanos e religião budista como encerramento.

Conta-se que num mosteiro distante, um grupo de monges budistas era sempre incomodado por um gato durante as orações. Atormentados por seus miados, eles resolveram amarrar e amordaçar o pobre animal ao início das sessões de meditação. Passaram-se os anos e o gato morreu, sendo substituído por outro, que também era amarrado e amordaçado. Esta atitude tornou-se uma tradição entre os monges. Um século depois, surgiu uma série de tratados filosóficos sobre a necessidade de se amarrar um gato antes do início da prática da meditação zen.

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Zulmar Lopes
Carioca, jornalista, contista e aspirante a romancista, Zulmar Lopes tem um punhado de prêmios literários, a maioria de nenhuma importância. Membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ACL). Roteirista do curta de animação “Chapeuzinho Adolescente”. Em 2011 lançou o livro de contos “O Cheiro da Carne Queimada”. Finalmente concluiu o maldito romance cujo pano de fundo é o carnaval carioca e está na expectativa de que alguma editora incauta se atreva a publicá-lo.
todo dia 21


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