Viu-as de perto na Holanda, pela primeira vez. Aconselhado por amigos, visitou Keukenhof em pleno abril. De início, se recusou. Flores? Ele ia pagar para ver flores? Pagou. Impressionou-se com cada uma delas, com suas cores fortes, cheias de significados. E com seus cabos longos, imponentes. Depois dessa visita ao Jardim da Europa, rendeu-se às tulipas sem reservas.
De volta ao Brasil, caiu de novo na rotina de trabalho de 10 a 12 horas por dia, esquecido das férias e de qualquer assunto que não estivesse ligado à empresa. Até que conheceu Helena. E Sofia. E Carolina. E Ruth. Mulheres especiais, requintadas. Das que não se impressionam com palavras bonitas, nem com gestos espalhafatosos. Um simples olhar mais insistente, desses que passam do ponto por segundos, e recuavam, fechando-se na certeza de estarem sendo vulgarmente seduzidas. Uma taça servida em hora errada e se recolhiam, convictas de que um homem não deve tentar embebedar uma mulher. Nada de joias como se fossem prostitutas de luxo. Nada de conversas fúteis. E nada de fotógrafos ávidos por enquadramentos inconvenientes.
Helena, Sofia, Carolina e Ruth. Mulheres autossuficientes, donas de seus próprios narizes. Belos narizes. Donas, também, de uma renda quase tão boa quanto a dele. Carros do ano, mas sóbrios. Coberturas de três ou quatro quartos. Elegantes, funcionais, mas sem luxo. À exceção de Sofia, que não abria mão de uma casa fora da cidade. Um espaço grande onde mantinha seus cães e gatos em liberdade. E a si mesma. Mas igualmente um lugar de bom gosto. Roupas e acessórios de marca. Sem ostentação, sem excessos. Maquilagem básica; unhas curtas ou medianas; cabelos casuais, fluidos; armações de óculos ajustadas às sobrancelhas desenhadas. Mulheres com rotinas sólidas de trabalho, assim como ele.
Maio. Primeira floração. Carolina.
Conheceu primeiro Carolina. Quando se sentou para negociar a venda do terreno onde queria construir um prédio de apartamentos, imaginou que ela fosse apenas a advogada da parte envolvida. Percebeu o erro quando disse que poderia lhe dar uns dias para discutir os valores com os donos do terreno e ela, encarando-o, disse a ele que também poderia lhe dar uns dias para informar a seus superiores que ela não cederia no preço pedido. Só então ele se deu conta de que acima de Carolina não havia ninguém. E, mais do que isso, de que aquela atitude sexista lhe custaria qualquer flexibilidade nas negociações. Não se desculpou. Um dia depois, convidou-a para jantar. Para sua surpresa, ela aceitou. E para surpresa maior ainda, foi ela quem tomou a iniciativa do sexo, no fim da noite. Ela por cima. Ela primeiro. E, por fim, ela e ele juntos, como se a química acontecesse havia muito tempo. Continuaram juntos. E ele passou a evitar os lugares-comuns como quem pula amarelinha. Quando ela perguntou por que ele nunca lhe dava flores, sentiu que havia um teste naquela constatação, mas não se deixou acuar. Porque eu nunca lhe daria uma flor que exista todo dia, foi a resposta que a satisfez. Lembrou-se da Holanda, do Jardim da Europa, do tapete multicolorido de tulipas. E de que haviam lhe ensinado que nos trópicos as tulipas só florescem entre maio e setembro, em ambientes controlados. Uma flor nobre. Um mês depois, em maio, encomendou uma caixa com flores de cabo longo a uma das floriculturas mais caras da cidade. Tulipas de cor laranja. O cartão de próprio punho dizia: Esta é você, difícil, vital.
Junho. Segunda floração. Sofia.
No início, não pretendia. Não era homem de trair ou de se envolver com mais de uma mulher ao mesmo tempo. Mas Sofia era uma mulher especial. Viúva aos 28 anos, assumiu a firma de importação e exportação do marido. Em cinco anos de gestão, seu capital tinha crescido em 40%. Dura com os empregados, dura consigo mesma. Conheceu-a quando precisou importar maquinário russo para a empreiteira. A transação foi tranquila, apesar de um ou outro embaraço junto à alfândega. Depois de tudo concretizado, convidou-a para almoçar. Poderia ter sido para jantar, mas não foi. Alguma coisa o alertou para não fazer um convite noturno a uma mulher desconfiada como aquela. Descobriram, já no primeiro dia, muitas afinidades. A maior delas foi a de que ambos haviam visitado Keukenhof. E ele soube que a dureza de Sofia era apenas um papel que ela representava no mundo comercial. Passou a vê-la com certa frequência, sem qualquer remorso em relação à Carolina. As duas eram parecidas nos negócios. Independentes, objetivas, críticas, perigosas. Mas muito diferentes na vida pessoal. Enquanto Carolina era adepta da boa mesa, dos vinhos, das exposições de arte, Sofia preferia uma dieta rigorosa, não bebia e gostava de estar ao ar livre para relaxar, cercada por animais e plantas. Na cama, Carolina era o bicho agressivo que ninguém dominava. Sofia ronronava. Como suas gatas. Em junho, encomendou para ela tulipas brancas. Significando um perdão que não pedia. Mas sentia.
Julho. Terceira floração. Helena.
Um homem não busca. Mas não se impede de querer, quando encontra o que lhe falta. Nem emoções desordenadas, nem culpa. Apenas um senso prático de complementação, de necessidade. Helena foi um desses encontros imprescindíveis. E improváveis. O negócio que ela dirigia, uma rede pequena, mas conceituada, de roupas femininas de marca, jamais se cruzaria com o dele. Mas Helena queria montar um desfile num prédio em construção. Bem lá no alto. Câmeras no chão de cimento e outras em filmagem aérea. Ele recusou. Muito perigoso. Que ela procurasse outro empreiteiro. Ela não cedeu. O prédio com a melhor vista aérea era o dele. O jantar foi marcado de comum acordo. Para aparar o desacordo das ideias. Cláusulas de segurança acertadas e cifras depois, ela venceu. Foi um desfile bonito. Durante os aplausos finais, ele mesmo entregou o buquê de tulipas negras trazidas por sua subsidiária de paisagismo diretamente da cooperativa de Holambra. Sofisticadas e raras como ela. Helena foi uma florada de julho feliz. E aquele mês se estendeu por vários outros. O sexo cheio de fantasias eróticas, as pequenas viagens para lugares isolados, a paixão dos dois pela leitura. Uma mulher para se ter por perto.
Agosto. Quarta floração. Ruth.
Existem mulheres para as quais é preciso um olho atento. Nenhum impacto à primeira vista, mas uma atração sem sentido a partir de um novo olhar. Ruth era feia. Dessas feiuras que nem as roupas caras, nem os cabelos impecáveis conseguem disfarçar. O que a redimia eram o sorriso e a voz. Uma boca que pedia conversa. Dentes imperfeitos, mas bonitos. E aquele tom de voz que coçava os instintos de quem a escutava de perto. Porque Ruth tinha sido feita para ser ouvida de perto. Com ela, tudo foi cordial desde o início. A abertura de nova filial e a escolha de novos executivos exigiram dele a contratação de uma empresa de recrutamento qualificada. Desde a primeira reunião, ela entendeu o que ele precisava. Traçou perfis, mostrou opções, falou de valores como se conversasse com um sócio, não com um cliente. Informou, por fim, que cuidaria, ela mesma, daquele contrato. E antes que ele tivesse tempo, convidou-o para um almoço no sábado seguinte. No apartamento dela. Onde havia tantas pessoas que ele se sentiu deslocado. Foram as tulipas amarelas, colocadas em um vaso alto de cristal no aparador, que lhe devolveram a confiança. Entregues uma ou duas horas antes, elas combinavam com o ambiente claro e bem decorado. No cartão, a frase curta: Você faz sol. Quando seus corpos passaram a se encontrar em lugares que nunca incluíam a cama, ele se deixou levar, curioso, pronto para qualquer insensatez. Escadas, garagens, elevadores, carros. A cada orgasmo, aquele rosto feio transformado pelo riso perfeito o fazia ter vontade de mais uma vez. Agosto foi de uma grande florada.
Sete
anos. Agora já faz sete anos que ele tem sido tulipas. Sete florações com Carolina.
Seis com Sofia. Cinco com Helena e Ruth, porque as conheceu no mesmo ano. Sem
entender como nenhuma delas nunca se encontrou com as outras. E como nenhuma
delas nunca lhe pediu um até que a morte nos separe. Mulheres completas,
autossuficientes, donas de seus próprios narizes. Especiais.
Naquela
noite, avistou a caixa com as tulipas na hora de gozar. Vermelhas. Como o
sangue que lhe fugiu do rosto e do membro para injetar seus olhos. Vermelhas.
Vermelhas. Vermelhas. Vermelhas.
Quem estava florindo o seu setembro?
5 comentários:
Cinthia, que sensacional, bárbaro, de tirar o fôlego!!!! Sempre espero ansiosamente o dia 16 para poder me deliciar com seus contos e hoje me atrasei mas não faltei!!! Beijos
Só uma criatura que faz sol poderia criar um texto como esse. Você, sim, Cinthia, merecia tulipas de todas as cores, porque é única e rara no seu estilo, criando histórias que nos envolve e nos prende do início ao fim. Espetacular!
Obrigada, minha amiga! Bjs
sabe o que eu acho (e a cada texto, mais) ? que seu ir pelo texto é seguro, firme, como as hastes dessas flores, e doce e límpido como as suas cores
ah! quem me dera a criatividade de uma dessas suas florações...quanto mais das sete
Tulipas - um brinde aa talento! Tardei, mas vim comentar aqui também, amiga. Sensacional, seleta floração, um bj!
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