Quando eu era adolescente, nas férias, eu sempre viajava acompanhado por pelo menos um livro.
E toda vez que alguém me encontrava, sentado na varanda da casa da minha avó, no interior do Paraná, ou na praia, neste mesmo estado, lendo, a pergunta inevitável era feita:
— Por que você está lendo?
— Porque gosto... — eu respondia.
— Mas você é louco?
Eu não compreendia, à época, a relação entre gostar de ler e ser considerado um maluco, pois, para mim, o prazer da leitura era tão natural quanto o de assistir TV, jogar videogame ou ir ao cinema; um não excluía o outro.
Mas descobri que o brasileiro foi ensinado a temer o livro e este fenômeno está enraizado num triste contexto histórico-social.
Em 1950, mais de 50% da população brasileira era analfabeta, ou seja, dos 50 milhões de habitantes, mais de metade não conseguiria ler um livro se o tivesse às mãos.
Foi exatamente neste mesmo ano que o primeiro canal de TV foi inaugurado no país.
Dez anos depois, o analfabetismo havia caído 10%, enquanto o número de televisores havia aumentado 200 mil vezes.
Hoje, a televisão está presente em 88% dos lares brasileiros, sendo que 98% dos brasileiros assiste a TV pelo menos uma vez por semana; por outro lado, os índices de alfabetização estão na casa de 88%, incluindo os analfabetos funcionais — capazes de níveis básicos de escrita, mas sem grandes habilidades interpretativas.
Enquanto a França, a Inglaterra e os Estados Unidos haviam criado um gigantesco público leitores, acoplado a programas educacionais de qualidade, durante os séculos XIX e XX, a leitura no Brasil sempre foi precária, até o momento em que teve de dividir espaço com a desleal concorrência da TV.
Um meio de entretenimento instantâneo, atraente e novo disputou — e venceu — o obsoleto e intrincado universo dos livros. Um indivíduo com sérias limitações financeiras não deveria ter dúvida sobre como gastar seu miserável salário: 200 reais numa TV, ou o mesmo valor para uma estante com alguns poucos livros? Adquirir um aparelho que proporciona diversão 24 horas ao dia, por tempo indeterminado, para toda a família, ou comprar alguns volumes finitos (o ponto final é o fim) de prazer solitário?
Uma população (semi-)analfabeta, um mercado literário que força aos leitores um preço surreal, e o mito criado ao redor do livro sepultaram — talvez para sempre — um relacionamento íntimo entre o brasileiro e o livro.
A Literatura nunca foi vista como uma forma de entretenimento tão ou mais agradável do que as outras — TV, cinema, música, internet. Ao livro é resguardado o rótulo de “repositório de saber”, o que, nas entrelinhas, significa: “que chatice!”
O modo como as escolas apresentam a Literatura também não é dos mais agradáveis. Apesar de todos seus méritos literários, forçar alunos de 14 ou 15 anos a ler Guimarães Rosa ou Euclides da Cunha é criar uma aversão ainda maior ao livro do que a que eles já traziam desde casa. Um lar sem livros é uma casa sem leitores, mas uma escola que seleciona os livros errados está criando verdadeiros inimigos da Literatura. Eu bem sei quantos anos se passaram até eu me reconciliar com “Sagarana”.
Parece ser este o grande tabu da Literatura no Brasil — ser popular, ser entretenimento, ser agradável. Qualquer autor que porventura caia nas graças do público, deste pobre público que mal consegue comprar dois livros ao ano, é o alvo da execração crítica e moral. Vender e divertir é um convite a uma temporada no inferno literário. No Brasil, o bom autor que se preza abomina cifras, enredos lineares, personagens planas (e, por isto, facilmente assimiladas pelo “populacho”) e, o mais surpreendente, parágrafos. O bom autor brasileiro vomita tudo, sem interrupção, por 500 páginas. E se o leitor não entender, o problema é dele!
É um ciclo que se alimenta.
Numa pesquisa recente foi apresentada a estatística de que 45% dos brasileiros não gosta de ler.
Muita gente pensa — inclusive grandes formadores de opinião — que bastaria baixar o preço dos livros para se conquistar mais leitores. Isto é simplesmente ridículo. Um brasileiro paga 25 reais para ir a um jogo de futebol, mas não paga 30 reais para adquirir um livro. O que existe é uma hierarquia de prioridades, do que proporciona prazer ao que causa repulsa.
A única medida que concebo para reverter este cenário — se é que isto seja possível — é modificar a relação entre o brasileiro e o livro. É preciso fazê-lo ver que leitura não é coisas de louco, que, no interior da biblioteca universal, existem obras complexas, sapienciais, difíceis, mas que a leitura também pode gerar prazer, diversão ou riso.
A questão passa longe de preço ou comércio; quem tem disposição empresta um livro numa biblioteca, ou lê a obra pela internet (as opções de bons livros de domínio público ou livres de copyright são intermináveis), mas é preciso querer.
Prazer na leitura, sem isto, não há medida educacional, não há campanha publicitária que alterará o panorama literário.
E toda vez que alguém me encontrava, sentado na varanda da casa da minha avó, no interior do Paraná, ou na praia, neste mesmo estado, lendo, a pergunta inevitável era feita:
— Por que você está lendo?
— Porque gosto... — eu respondia.
— Mas você é louco?
Eu não compreendia, à época, a relação entre gostar de ler e ser considerado um maluco, pois, para mim, o prazer da leitura era tão natural quanto o de assistir TV, jogar videogame ou ir ao cinema; um não excluía o outro.
Mas descobri que o brasileiro foi ensinado a temer o livro e este fenômeno está enraizado num triste contexto histórico-social.
Em 1950, mais de 50% da população brasileira era analfabeta, ou seja, dos 50 milhões de habitantes, mais de metade não conseguiria ler um livro se o tivesse às mãos.
Foi exatamente neste mesmo ano que o primeiro canal de TV foi inaugurado no país.
Dez anos depois, o analfabetismo havia caído 10%, enquanto o número de televisores havia aumentado 200 mil vezes.
Hoje, a televisão está presente em 88% dos lares brasileiros, sendo que 98% dos brasileiros assiste a TV pelo menos uma vez por semana; por outro lado, os índices de alfabetização estão na casa de 88%, incluindo os analfabetos funcionais — capazes de níveis básicos de escrita, mas sem grandes habilidades interpretativas.
Enquanto a França, a Inglaterra e os Estados Unidos haviam criado um gigantesco público leitores, acoplado a programas educacionais de qualidade, durante os séculos XIX e XX, a leitura no Brasil sempre foi precária, até o momento em que teve de dividir espaço com a desleal concorrência da TV.
Um meio de entretenimento instantâneo, atraente e novo disputou — e venceu — o obsoleto e intrincado universo dos livros. Um indivíduo com sérias limitações financeiras não deveria ter dúvida sobre como gastar seu miserável salário: 200 reais numa TV, ou o mesmo valor para uma estante com alguns poucos livros? Adquirir um aparelho que proporciona diversão 24 horas ao dia, por tempo indeterminado, para toda a família, ou comprar alguns volumes finitos (o ponto final é o fim) de prazer solitário?
Uma população (semi-)analfabeta, um mercado literário que força aos leitores um preço surreal, e o mito criado ao redor do livro sepultaram — talvez para sempre — um relacionamento íntimo entre o brasileiro e o livro.
A Literatura nunca foi vista como uma forma de entretenimento tão ou mais agradável do que as outras — TV, cinema, música, internet. Ao livro é resguardado o rótulo de “repositório de saber”, o que, nas entrelinhas, significa: “que chatice!”
O modo como as escolas apresentam a Literatura também não é dos mais agradáveis. Apesar de todos seus méritos literários, forçar alunos de 14 ou 15 anos a ler Guimarães Rosa ou Euclides da Cunha é criar uma aversão ainda maior ao livro do que a que eles já traziam desde casa. Um lar sem livros é uma casa sem leitores, mas uma escola que seleciona os livros errados está criando verdadeiros inimigos da Literatura. Eu bem sei quantos anos se passaram até eu me reconciliar com “Sagarana”.
Parece ser este o grande tabu da Literatura no Brasil — ser popular, ser entretenimento, ser agradável. Qualquer autor que porventura caia nas graças do público, deste pobre público que mal consegue comprar dois livros ao ano, é o alvo da execração crítica e moral. Vender e divertir é um convite a uma temporada no inferno literário. No Brasil, o bom autor que se preza abomina cifras, enredos lineares, personagens planas (e, por isto, facilmente assimiladas pelo “populacho”) e, o mais surpreendente, parágrafos. O bom autor brasileiro vomita tudo, sem interrupção, por 500 páginas. E se o leitor não entender, o problema é dele!
É um ciclo que se alimenta.
Numa pesquisa recente foi apresentada a estatística de que 45% dos brasileiros não gosta de ler.
Muita gente pensa — inclusive grandes formadores de opinião — que bastaria baixar o preço dos livros para se conquistar mais leitores. Isto é simplesmente ridículo. Um brasileiro paga 25 reais para ir a um jogo de futebol, mas não paga 30 reais para adquirir um livro. O que existe é uma hierarquia de prioridades, do que proporciona prazer ao que causa repulsa.
A única medida que concebo para reverter este cenário — se é que isto seja possível — é modificar a relação entre o brasileiro e o livro. É preciso fazê-lo ver que leitura não é coisas de louco, que, no interior da biblioteca universal, existem obras complexas, sapienciais, difíceis, mas que a leitura também pode gerar prazer, diversão ou riso.
A questão passa longe de preço ou comércio; quem tem disposição empresta um livro numa biblioteca, ou lê a obra pela internet (as opções de bons livros de domínio público ou livres de copyright são intermináveis), mas é preciso querer.
Prazer na leitura, sem isto, não há medida educacional, não há campanha publicitária que alterará o panorama literário.
Bibliografia:
Câmara Brasileira do Livro
http://www.cbl.org.br/content.php?recid=5828&type=N
De olho na Educação
http://www.deolhonaeducacao.org.br/Comunicacao.aspx?action=5&mID=832
Desemprego Zero
http://www.desempregozero.org.br/artigos/um_estudo_sobre_a_populacao_brasileira_no_seculo_xx_fonte_ibge.php
Domínio Cultural
http://www.dominiocultural.com/ver_coluna.php?id=6207&PHPSESSID=8b602f1930d00d246dd2b14aca7c560c
Farol Comunitário
http://farolcomunitario.blogspot.com/2008/05/imprensa-oficial-publica-pesquisa.html
Microfone: História da Televisão Brasileira
http://www.microfone.jor.br/historiadaTV.htm
Portal Brasil
http://www.portalbrasil.net/brasil_economia.htm
Wikipédia
http://pt.wikipedia.org/wiki/MOBRAL
1 comentários:
esclarecedor. Muito interessante a questão que levantou sobre as "prioridades" do brasileiro..
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