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segunda-feira, 9 de junho de 2008

Por que escrevo?

Henry Alfred Bugalho

Hoje em dia, a última moda é criticar a aquisição de “capital cultural”.

Antes, o alvo havia sido o capital puro e simples — grana, bufunfa, prata, money. Uma legião de esquerdistas, de cunho marxista-leninista, se proliferou por países subdesenvolvidos, execrando os males do capitalismo, a exploração da mais-valia e a sociedade de classes.
A falência do socialismo foi um balde de água fria para esta turma. Mas, recentemente, em vários artigos que tenho lido pela internet, algo semelhante tem surgido, mas agora criticando o hábito — extremamente burguês, como negar? — de se escrever livros. “Os autores só escrevem para adquirir capital cultural”, eles dizem.
Tomei ciência deste conceito pela primeira vez através da boca duma amiga americana, mestranda de Ciências Sociais, que me explicou o que Bourdieu entendia por isto. A grosso modo, “capital social” é o conhecimento, ou experiência ou relações que alguém possui de modo a permiti-lo se destacar daqueles que não possuem a mesma formação. Este capital se divide em três instâncias: 1 – inerente, aquele que nasce com um indivíduo, ou é decorrente da formação familiar; 2 – objetificado, que é aquilo que pode ser possuído, enquanto propriedade, como uma obra de arte, um livro raro, ou algo de grande valor cultural; e 3 – institucionalizado, que decorre da legitimação de instituições culturais, como universidades, premiações, títulos e demais honrarias.
Até onde percebo, o escritor se enquadraria nestas três categorias, pois a escrita depende de algo inerente, o idioma no qual se escreve, o talento para organizar sentenças, a capacidade de observação do mundo e sua reprodução através da literatura; depende também da objetificação do livro, algo físico, palpável, que pode ser comercializado, manuseado, que traz na capa o nome do autor, que o institui como criador e dono de seu conteúdo; por fim, também possui um caráter institucional, pois o reconhecimento da Academia é uma das grandes medidas de canonização dum autor, a adoção de suas obras por uma Universidade, ou a premiação em algum importante concurso literário, ou o recebimento de alguma titulação de doutor honoris causa.
A aquisição de capital cultural faz parte do ofício da escrita, mas é isto que os autores buscam ao escreverem um livro?

Sem dúvida, há uma fetichização do livro. Aquela coisa, composta de páginas, caracteres, signos, sentido, é um universo à parte do nosso mundo cotidiano. Apesar de a escrita ser uma espécie de instrumento de comunicação — escrevemos cartas, e-mails, cartazes, jornais, revistas para comunicarmos algo a alguém, sendo que este alguém pode ser um receptor direto, alguém que conhecemos, ou um receptor indireto, uma massa desconhecida —, o livro ultrapassa esta função, ainda mais se nos restringirmos aos limites da ficção.
Um romance ou uma coleção de contos transmite uma mensagem, comunica um sentido, mas vai além, visa algo que ultrapassa a mera comunicação.
O que este “além” significa é motivo de debates acalorados através dos séculos; uns dizem ser a transmissão do Belo; outros, o estímulo de sensações e sentimentos; outros, a formação de senso crítico ou a crítica da sociedade; outros, entretenimento. As hipóteses e propostas são infindas, talvez tão numerosas quanto os volumes de livros que já foram escritos na História da Humanidade.
Eu, enquanto escritor, não me recordo de, em momento algum, eu me sentar diante do computador para escrever um conto ou romance e ser assolado pelo pensamento: “que beleza, vou adquirir mais um pouco de capital cultural!”
Acho que a primeira intenção dum autor, a mais genuína, a mais entranhada, é tentar recriar as mesmas impressões que ele teve ao ler um bom livro. Talvez o que se passe na mente, talvez até de maneira inconsciente, dos escritores é causar nos leitores aquela sensação: “eu queria ter escrito este livro”.
Isto não significa que os autores tentam imitar formal ou estilisticamente seus autores favoritos, mas sim que, no interior de seus gostos e predileções, eles gostariam de causar no leitor, através de palavras, o deslumbramento que um dia tiveram através da leitura.
A aquisição de capital cultural está atrelada ao ofício literário do mesmo modo que a aquisição de capital está vinculada ao trabalho. Se não é vergonhoso ser remunerado pela execução dum trabalho, então por que o reconhecimento através da escrita seria?

Mas não é isto que motiva um escritor, pelo menos, não deveria ser.

Se alguém me perguntasse: “por que você escreve?”, a única resposta que eu poderia dar, a mais sincera e verdadeira, é: “porque gosto; porque, acima de tudo, eu me divirto muito”.
E não há dinheiro ou reconhecimento capaz de superar esta sensação.

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