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segunda-feira, 9 de junho de 2008

Três versos

Volmar Camargo Junior


Há algum tempo, desde que comecei a integrar esse grupo de escritores, auto-proclamados “oficineiros”, entrei em um irremediável processo de auto-descobrimento literário. Entre as coisas que descobri em mim mesmo foi o quanto escrever poesia é gratificante. A primeira vez que fiz um poema na vida foi para uma das atividades da oficina: uma coletânea de haicais. Para minha inteira satisfação, eu consegui escrever um haicai – que era, aliás, um gênero de poesia do qual apenas havia ouvido falar.

Depois disso, não parei mais. É claro que ainda não fiz nada de extraordinário (muito pelo contrário, aliás) Mas estou experimentando. O resultado dessas experiências vem sendo publicado aqui, na SAMIZDAT. São meus Laboratórios Poéticos.

Bem, continuei escrevendo haicai. Entretanto, eu simplesmente não conseguia manter-me preso à singeleza e às normas muito bem definidas que essa linguagem poética tão bonita (e tão antiga) exige. Então, eu descobri o Poetrix. Ou melhor: eu descobri que o que eu fazia, pensando ser haicai, era, na verdade, poetrix.

Para tentar deixar claro o que é um e o que é outro, dando como exemplo poemas que eu mesmo escrevi, tentarei expor abaixo as normas que fazem um haicai não ser um poetrix, e vice-versa.



O haicai


Sobre a linguagem do haicai na História, pretendo tratar em outra oportunidade. Entretanto, vale ressaltar o nome de duas pessoas essencialmente importantes para a divulgação do haicai em nosso país: Nempuku Sato e Goga Masuda. O primeiro, um mestre desta forma de arte, foi o grande responsável pela cultura do haicai entre os imigrantes japoneses no Brasil – apesar de nunca ter escrito poemas que não fossem em seu próprio idioma. O segundo, Goga Masuda, é discípulo de Nempuku Sato. Possivelmente, é o responsável pela divulgação dessa forma poética em terras brasileiras - não apenas para os imigrantes - seguindo a milenar tradição japonesa. O texto abaixo, de autoria de Masuda, é uma orientação para o haicai tradicional.


Os dez mandamentos do haicai
(
http://www.kakinet.com/caqui/dezmand.shtml)

I - O Haicai é poema conciso, formado de 17 sílabas, ou melhor, sons, distribuídas em três versos (5-7-5), sem rima nem título e com o termo-de-estação do ano (kigô).
II - O kigô é a palavra que representa uma das quatro estações, primavera, verão, outono e inverno; p. ex., IPÊ (flor de primavera), CALOR (fenômeno ambiental de verão), LIBÉLULA (inseto de outono) e FESTA JUNINA (evento de inverno).
III - Cada estação do ano tem o próprio caráter, do ponto de vista da sensibilidade do poeta; p. ex., Primavera (alegria), Verão (vivacidade), Outono (melancolia) e inverno (tranqüilidade).
IV - O haicai é poema que expressa fielmente a sensibilidade do autor. Por isso,
respeitar a simplicidade;
- evitar o "enfeite" de "termos poéticos";
- captar um instante em seu núcleo de eternidade, ou melhor, um momento de transitoriedade;
- evitar o raciocínio.
V - A métrica ideal do haicai é a seguinte: 5 sílabas no primeiro verso, 7 no segundo e 5 no terceiro; mas não há exigência rigorosa, obedecida a regra de não ultrapassar 17 sílabas ao todo, e também não muito menos que isso. E a contagem das sílabas termina sempre na sílaba tônica da última palavra de cada verso.
VI - O haicai é poemeto popular; por isso usa-se palavras quotidianas e de fácil compreensão.
VII - O dono do haicai é o próprio autor; por isso, deve-se evitar imitação de qualquer forma, procurando sempre a verdade do espírito haicaísta, que exige consciência e realidade.
VIII - O haicaísta atento capta a instantaneidade, qual apertar o botão da câmera.
IX - O haicai é considerado como uma espécie de diálogo entre autor e apreciador; por isso, não se deve explicar tudo por tudo. A emoção ou a sensação sentida pelo autor deve apenas sugerida, a fim de permitir ao leitor o re-acontecer dessa emoção, para que ele possa concluir, à sua maneira, o poema assim apresentado. Em outras palavras, o haicai não deve ser um poema discursivo e acabado.
X - O haicai é um produto de imaginação emanada da sensibilidade do haicaísta; por isso, deve-se evitar expressões de causalidade, sentimentalismo vazio ou pieguice.

***

Um haicai, segundo minha pena (torta), tentando acompanhar as diretrizes acima, é assim


Orvalho noturno,
Frio e geada -
Verso branco.


No entanto, o primeiro que escrevi, foi esse:

Flerte

Roseira branca,
na cerca, ama o céu
negro sem culpa.



O POETRIX

O Poetrix é uma forma poética nascida aqui, no Brasil. Surgiu, à maneira dos movimentos vanguardistas do Modernismo, com um manifesto. Seu idealizador, o poeta baiano Goulart Gomes, é hoje o coordenador do Movimento Internacional Poetrix. Da mesma forma, pretendo falar mais detidamente sobre a origem do Poetrix em um futuro próximo. O texto abaixo consta na introdução do Volume 1 do Caderno Internacional de Poetrix, distribuído gratuitamente na rede (http://www.zaz.com.br/virtualbooks/novalexandria/goulart/poetrix1.htm)



O Poetrix hoje


POETRIX é um terceto contemporâneo de temática livre, com título, ritmo e um máximo
de trinta sílabas, possuindo figuras de linguagem, de pensamento, tropos ou teor
satírico. (...) No Manifesto Poetrix foram identificadas as suas principais características, que resultaram na atual definição do novo vernáculo:

  • possui apenas uma estrofe de três versos, sem limite de sílabas (depois seria estabelecido o limite de 30 sílabas);
  • o título é desejável, mas não exigível, podendo complementar o texto (atualmente, o título é uma exigência);
  • não existie rigor quanto a métrica ou rimas (mas o ritmo é desejável);
  • metáforas e outras figuras de linguagem, assim como neologismos, são uma constante no poetrix;
  • geralmente há uma interação autor/leitor provocada por mensagens subliminares;
  • é minimalista, ou seja, procurr transmitir a mais completa mensagem em um menor número de palavras;
  • passado, presente e futuro podem ser utilizados sem distinção;
  • o autor, as personagens e o fato observado podem interagir, mesmo criando condições suprarreais, cômicas ou ilógicas (non sense).






Uns e outros

Uma importante relação entre os dois formatos foi trazida por Goulart nesta mesma publicação, referida acima:

"(...) POETRIX é, certamente, a primeira linguagem poética a ganhar uma definição discutida e elaborada pelos seus próprios praticantes – os poetrixtas – no mundo virtual da internet. O POETRIX foi proposto, inicialmente, como uma evidente alternativa ao hai-kai, mantendo a sua forma (em tercetos) mas subvertendo o seu conteúdo, ao admitir título, rimas, figuras de linguagem e um maior número de sílabas
."

Não estou querendo defender um em detrimento de outro. Aliás, muito pelo contrário. Desde que conheci o haicai, tenho-me esforçado para conseguir criar um que seja minimamente adequado à tradição. E, da mesma forma, tenho produzido alguns poetrix, porque – talvez, é uma suposição – meu pensamento seja ocidental demais, e demasiadamente atrelado ao “querer dizer” dos idiomas românicos. Sobretudo o português. Ainda mais, esse português tupiniquim, nostálgico, eclético, e (pelo que sou muito grato) democrático.

Fico muitíssimo satisfeito.




__________________________________________________________________________
Para ler mais sobre haicai e poetrix, acesse:

Grêmio Haicai Ipê
http://www.kakinet.com/caqui/ipe.shtml

Biografia de Masuda Goga
http://www.kakinet.com/caqui/goga.shtml

Movimento Internacional Poetrix
http://www.movimentopoetrix.com/

Biografia de Goulart Gomes
http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=17739

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2 comentários:

Obrigada por divulgar o Poetrix, essa linguagem que quer dizer muito, sem dizer tudo...
Eu me apaixonei. Conheci em 2000 e desde então, não parei mais de escrever.
Um abraço,
Aila

Cara,
como vai?
Fiquei muito feliz por ler e entender agora as diferenças entre haicai e poetrix. É vivendo e aprendendo. Obrigado msmo!

Bração

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