A garota sorriu ao guardar o celular em seu bolso.
Não havia achado algo particularmente engraçado. Não, seu sorriso era aquele de pessoas que não tem qualquer motivo para sorrir. Era um sorriso de tristeza, e de desprezo.
Principalmente, era um sorriso de ódio.
*
O detetive encontrou o sargento próximo a porta do apartamento.
- E aí, o que nós temos?
- É melhor o senhor ver por si mesmo.
O detetive entrou. Peritos forenses tiravam fotos, ensacavam copos usados, espalhavam pós para a coleta de impressões digitais.
No quarto, o detetive viu o corpo. Ainda estava na posição ereta, sentado à frente do computador. O cutelo ainda estava preso na cabeça, praticamente aberta em dois pedaços. Os olhos ainda estavam abertos, e o detetive teve um calafrio ao olhar para eles. O detetive não soube porque sentira aquilo. Tinha sido perturbado, e em quinze anos de serviço, nunca tivera sido perturbado dessa maneira.
Voltou até a porta, e recebeu a identidade da vítima.
- Já temos algum suspeito? -, perguntou, e de repente viu de novo os olhos que acabara de ver, só que dessa vez diretamente à sua frente, na direção da escada.
O sargento tinha dito alguma coisa.
- O que? -, perguntou o detetive subitamente, interrompendo algo que o sargento dizia.
- Eu disse que sim, que na verdade já temos uma boa idéia de quem fez isso.
Ainda um pouco perplexo, o detetive perguntou quem tinha sido.
E o sargento lhe mostrou um saco plástico.
Dentro, havia um celular.
*
Mário pagou o estacionamento, esqueceu de pegar o troco e andou de cabeça baixa até o carro.
Pensava em seu encontro com Penélope, em como ela parecia.
Ela estava muito feliz.
Mário estranhou isso, já que esperava encontra-la deprimida. Não queria isso, mas tinha aceitado isso como fato. Porém, o que encontrou, foi uma Penélope sorridente e alegre. Ela lhe abraçou como se ele não fosse um mensageiro de notícias ruins.
Ele perguntou como ela estava. Ela estava bem.
Ele, cautelosamente, perguntou se ela tinha lido a mensagem que ele lhe enviara.
Ela disse que sim, que não tinha problema, que a culpa dela ter sido trocada por outra não era dele. Ele era apenas o amigo preocupado.
Foram ao cinema, comeram, não conversaram muito.
E, enquanto se dirigia à seu carro, Mário sentiu-se perturbado. Sabia que Penélope não era do tipo de garota que aceitava notícias ruins tão calmamente. Algo estava errado.
Durante a volta para casa, Mário decidiu ligar para Penélope, perguntar como ela realmente estava. Decidiu arrancar a verdade dela, não importasse o custo.
Tateou dentro de sua mochila. Parou no sinal vermelho e continuou procurando. O sinal ficou verde, o carro continuou parado, Mário procurando.
E nada.
Seu celular havia sumido.
*
- Aquela piranha! -, gritou Carlos, pela terceira vez.
Havia recebido a informação de que tinham visto sua garota com outro, e não conseguia tirar isso da cabeça. Se fosse um pouquinho mais inteligente, Carlos talvez enxergasse a ironia da situação. Porém, ele não era, e portanto não enxergou.
Irado, Carlos leu novamente a mensagem em seu celular. Não se agüentando de raiva, decidiu fazer alguma coisa. Nunca se sentira tão mal, e alguém pagaria por isso.
Apertando os botões com mais força do que o necessário, enviou uma mensagem, e saiu.
*
A sombra caiu sobre aquela casa.
Sentada no chão, a sombra viu suas mãos vermelhas. Vermelho era a única coisa que conseguia enxergar. O resto era preto e branco.
Na cadeira, em frente ao computador, estava o resto de ser humano. O sangue ainda brotava do ferimento, como uma fonte macabra.
A sombra se levantou, e saiu do apartamento. E, ao estar em segurança, voltou de onde veio, deixando para trás um corpo cansado e sonolento.
*
- Abra! É a polícia!
Esfregando os olhos, ele acordou, com dor de cabeça.
Dirigiu-se até a porta, a tempo de vê-la ser derrubada, e um grupo de homens de azul invadir sua casa.
Um dos homens (o único não usando azul) jogou-o de cara na parede, e o algemou.
- Carlos Rodrigues, você está preso pela morte de Joana Bagnoux.
Se estava de ressaca antes, após ouvir isso, não estava mais.
- O que? Você tá maluco, cara?
Sua resposta foi ter sido esmagado com mais força contra a parede pelo detetive.
- Eu vi o que tu fez com ela, seu doente -, murmurou o detetive – e você foi burro o suficiente pra deixar sua mensagem no celular dela. Você sabe, aquela que você dizia que ela pagaria por ter te traído.
- Mas eu não fiz nada! Eu saí ontem, para beber...
- E a matou. Continue garoto, tu só tá se dando mais corda para se enforcar.
Chorando e batendo os pés, Carlos foi levado pela polícia, de cuecas e sem camisa, até a viatura.
*
Penélope viu Carlos ser levado, de sua janela do outro lado da rua.
Estava satisfeita. Tudo dera certo. A sombra veio e se foi, porém a memória do que fizera com a vadia loira continuou em sua mente.
Fez uma anotação mental, de devolver o celular de Mário, aquele que ela usara para enganar Carlos.
Olhando a viatura se afastar, Penélope lembrou-se da sensação de enfiar o cutelo na cabeça de Joana, lembrou dela emitindo um último ruído abafado antes da vida jorrar para fora dela. Havia gostado disso, gostado muito.
Talvez fizesse de novo.
Provavelmente faria de novo.
Penélope sorriu com esse pensamento.
Dessa vez, um sorriso verdadeiro.
Estava feliz.
Rio de Janeiro
08/06/2008
quinta-feira, 19 de junho de 2008
Caiu a Sombra
por Pedro Faria
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