Henry Alfred Bugalho
Elijah Abramanoviecz, cumulado de anos, decidiu contar sua história, desde criança em Varsóvia, pelo gueto e humilhação do Reich, até a fuga para a América e os filhos que lá teve.Sentou-se para escrever seu livro, começando pelo começo e traçando toda a genealogia que conhecia de sua família. Como rabi Solomon Abramanón, seu mais antigo antepassado, foi perseguido em Madri no século XVI pelo Santo Ofício e como, muitos séculos mais tarde, seu pai, Isaac Abramanoviecz cuidava de sua barbearia e, um dia, conhecera Rebeca Steinberg, filha de um industrial alemão, com a qual se casaria posteriormente e, de cujo amor, ele, Elijah, nasceria.
Mas aquele longo capítulo, não o satisfez. Mais uma catalogação de memórias pretéritas do que um livro autobiográfico, o ritmo moroso e a abundância de detalhes enfadariam os supostos leitores.
Contar pelo fim pareceu ser a melhor opção: relatar como ele, Elijah, cabalista de Nova York, tomou a resolução de abrir o livro de sua vida para os outros. De todo o esforço davídico por conquistar o universo das palavras e expor, com toda a sinceridade de seu ser, as lições que aprendera da vida.
No entanto, este princípio, que prenunciava um longo flashback no qual sua história se desenrolaria, também não o agradou.
Rascunhou um novo capítulo, desde o momento em que ele leu pela primeira vez o Sepher Yetzerah e, ainda jovem, recém-saído de seu bar Mitzva, iniciou seus estudos dos sephirots e dos nomes de Deus.
Um princípio tão hermético e abstruso, detalhando anos de aprendizado cabalístico, mais se assemelhava a um dos milhares de livros sobre ocultismo do que o que Elijah realmente pretendia.
Tentou novos começos, e a cada tentativa novos obstáculos e objeções surgiam. Nem o relato de seu matrimônio, nem os anos na escola torânica, nem os medos em Treblinka, nem a cegueira parcial, nem a infância tranqüila, nem o deslumbramento na Big Apple da década de cinqüenta. A cada novo começo, um novo fracasso.
Então, ao reler as setecentas páginas que havia composto nos últimos sete meses, Elijah Abramanoviecz constatou que toda sua vida esta ali. Não somente como ele a relembrava, linearmente, como o grande projeto de Yahweh para os homens, mas ciclicamente, com falsos começos e finais mentirosos, tal qual os projetos irrealizados dos homens, que quando fazem uma escolha, deixam para trás um leque de outras perdidas, como o projetar-se existencial de Heidegger, e como os círculos concêntricos de rememoração, os mesmos que motivaram Proust e Henri Bergson; aqueles círculos que se afastam de nós e, quando retornam, vêem como se não mais nossos fossem, estranhos a nós, apesar de nos pertencer.
No entanto, o que mais surpreendeu Elijah é que, em meio a todos aqueles capítulos um, havia um que ele sequer se recordava de haver redigido, aquele no qual ele narrava sua própria morte e aqueles que ao seu funeral atenderiam e como ele voltaria a fazer parte do mistério cósmico que um dia o concebeu, deixando de ser o cabalista de Nova York e tornando-se aquele que pode escrever o próprio futuro.
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