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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Autor em Língua Portuguesa

Ahasverus e o Gênio



Castro Alves



Ao poeta e amigo J. Felizardo Júnior







Sabes quem foi Ahasverus?... — o precito,

O mísero Judeu, que tinha escrito

Na fronte o selo atroz!

Eterno viajor de eterna senda...



Espantado a fugir de tenda em tenda,

Fugindo embalde à vingadora voz!

Misérrimo! Correu o mundo inteiro,

E no mundo tão grande... o forasteiro

Não teve onde... pousar.

Co'a mão vazia-viu a terra cheia.



O deserto negou-lhe — o grão de areia.

A gota d'água — rejeitou-lhe o mar.

D'Asia as florestas-lhe negaram sombra

A savana sem fim-negou-lhe alfombra.

O chão negou-lhe o pó!...

Tabas, serralhos, tendas e solares...



Ninguém lhe abriu a porta de seus lares

E o triste seguiu só.

Viu povos de mil climas, viu mil raças,

E não pôde entre tantas populaças

Beijar uma só mão...

Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,



Desde a inglesa à crioula das Antilhas

Não teve um coração!...

E caminhou!... E as tribos se afastavam

E as mulheres tremendo murmuravam

Com respeito e pavor.

Ai! Fazia tremer do vale à serra...



Ele que só pedia sobre a terra

— Silêncio, paz e amor! —

No entanto à noite, se o Hebreu passava,

Um murmúrio de inveja se elevava,

Desde a flor da campina ao colibri.



"Ele não morre", a multidão dizia...

E o precito consigo respondia:

— "Ai! mas nunca vivi!" —



O Gênio é como Ahasverus... solitário

A marchar, a marchar no itinerário



Sem termo do existir.

Invejado! a invejar os invejosos.

Vendo a sombra dos álamos frondosos...

E sempre a caminhar... sempre a seguir...

Pede u'a mão de amigo-dão-lhe palmas:

Pede um beijo de amor— e as outras almas



Fogem pasmas de si.

E o mísero de glória em glória corre...

Mas quando a terra diz: — "Ele não morre"

Responde o desgraçado:-"Eu não vivi!..."













Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/wk000583.pdf

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