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sábado, 7 de janeiro de 2012

Dois poemas noturnos

Além de mim

O que mais
dói no pensar
do último dia
é saber

que tudo permanecerá
vivendo além de mim
tudo permanecerá
igual, apesar de mim

e os filmes em telas claras
e escuras salas seguirão
rodando sem uma pausa sequer
assim como a música no rádio

A contar histórias para além de mim

as crianças
nas ruas estarão
a brincar, a correr
a crescer, a morrer

e os bêbados nos bares
beberão suas doses
de angústia e solidão
num silêncio só menor que o meu

e os amantes
cometerão os mesmos erros
que só o tempo os permite
cometer, repetir, reverter

E amarão com a dor de uma certeza efêmera

enquanto eu levarei comigo
um mundo fechado nos olhos
a dormir sem mais sonhar
e nem mais poder duvidar

pois neste dia
fatídico e triste
que deverá ser noite
e fria, como serei eu

descobrirei, enfim
a verdade que só a terra traz
que só aos mortos cabe: uma piada
da qual nem sequer poderei rir

Da vida que segue eterna, para além de mim.

Por Ju Blasina
Talvis

Eles fumavam bem
esporadicamente
cigarros do tipo
'cigarrilhos'
que só se leva
consigo, em silêncio
aos lábios
que não se traga
de fato. algo
de muito bom gosto
[de algo que gosto
muito de comer, mas o
cheiro, não]

E na fumaça daquelas
bocas esvaiam-se
muitas palavras
[pouco pensadas]
ditas somente
na decadência
de um bar qualquer
em uma noite
qualquer
desde que já
esteja para morrer
e não guarde
quase lua


Eis que a luz clara começa
a ameaça ao escuro
ao piscar e a partir, assim
como ele, como eu
e como aquelas palavras
e a fumaça dos cigarros
que em cinzeiros
lascados, permanecem
a cair e cair num monte
de [mesas e merdas e] cinzas
que no menor sopro
voam e se
vão

Ali, naquele canto
escondido do bar
da noite
quase tudo é qualquer
sem esforço
pode-se pisar na margem sem dor
sem remorso quaisquer
que sejam o canto, a mesa
o bar, as bebidas, os bêbados
as margens, os pés
quaisquer que sejam os "nós"
e a cortina de fumaça
que esses possamos tecer

Ainda que eles sejam bons
de gosto, de tom
ainda que tragam
excelentes formas ao ar
o cheiro só agrada
enquanto não estão
acesos, tais cigarrilhos
de nome
mais importante
que muita gente
que ali se leva [desde
que jamais se traga]
em casa.

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Ju Blasina




todo dia 07


3 comentários:

Poesia não é "a minha praia". Geralmente não percebo o que querem dizer, se é que querem dizer algo ou apenas alinhar umas palavras em rima de sentido obscuro. Verdade seja dita que também não me esforço para entender.
Aqui encontrei dois textos de outro tipo. São maduros, pensados, e ainda bem que não rimam, senão ganhariam uma "decoração" desconforme com a inquietação que transmitem. Sobretudo o "Para além de mim" agradou-me bastante.

Bom saber, Joaquim. Marcam um período "Bukowskiano" de minha vida. O segundo [Talvis] ainda mais: foi escrito num bar [o da foto]. Abraços.

Eu também amei o "Para além de mim". Sucinto e dá o recado com uma beleza rara.

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