(por Ramon Barbosa Franco)
"- Descendo aqui, o 'sinhô' chega 'nu' seminário de Jesus".
O lavrador, que havia se afastado da turma que colhia algodão na beira da estrada, dava a coordenada para aquele homem de pele clara e sotaque estranho. Voltou para os colegas e ficou observando, à distância, o viajante que cortava chão somente com as duas pernas.
"- Nessi mundão a gente vê cada um".
Ficou colhendo, ensacando os tufos e o sotaque estranho seguia seu rumo. Lembrou que aquele tinha qualquer coisa de gente da colônia, do pessoal que morava para depois do trecho represado do Paranapanema. Tinha lidado com a colheita de soja por lá e lembrava do jeito dos velhos, que os novos chamavam sempre de 'oma' e 'opa'.
"- Que será que ele vai fazê no seminário de Jesus?".
Seguiu a colheita.
No outro dia, a turma tinha descido mais a plantação, no mesmo rumo para o seminário. Ele se achegou num tronco da cerca de arame farpado, tinha uma bolsa pendurada. Mexeu, viu apetrechos que lembravam os de dentista.
"- Deve ser do homi de onti".
Recolheu e amarrou na cintura, junto com o saco onde jogava o algodão.
"- Um dia ele 'vorta' pelo estradão e eu entrego".
Não voltou e os apetrechos, que depois ficou sabendo que eram de médico, serviram de relíquia para atestar uma história que ele contava com emoção:
"- Por esta 'luiz' que me 'alumia', aquele homi era o 'tar' de Menguele! Certeza, o seminário ficava em Assis. E ele se escondeu lá".
5 comentários:
Um "causo" com um desfecho bem bolado, como só se vê nos bons "causos". Fiel ao estilo.
nossa! fiquei sem fôlego! coisinha de nada e tanta literatura!
Atendendo ao volume de comentários e tentando perceber a história, fez-se-me luz quando pesquisei "Menguele":
http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Mengele
Aí, a história ganhou uma dimensão inesperada.
Assustador, heim, Ramon!
Uma passagem que até hoje é viva entres os moradores de Assis (interior de São Paulo). Existem fortes indícios de que o 'anjo da morte', o médico nazista Josef Mengele, se manteve escondido em um prédio religioso que era comandado por uma freira católica alemã. Testemunhos garantem a vericidade dos fatos. Como a literatura nos permite experimentar situações imensas, surgiu 'Arame farpado': o testemunho de um boia-fria que topou com um dos capos do führer.
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