A rapariga lá estava, desconjuntada no passeio público, nuns preparos que nunca acreditaria em vida: uma perna para um lado, a outra para o outro, a saia sem preceito deixava ver as cuecas molhadas por falta de controlo biológico no momento de tensão extrema, um espectáculo triste que nunca teria permitido se o soubesse.
Á sua volta borbulhavam curiosidades, uma coisa para contar no dia seguinte, quando fossem tomar o café da manhã no emprego. Ninguém estava ali para ajudar - a miúda estava claramente para além de qualquer ajuda neste mundo, imóvel e descomposta na praça pública.
A polícia chegou. Afastaram o público em geral, olharam para cima à procura da janela, mediram e anotaram todos os centímetros. Também eles não estavam ali para ajudar, só para tomar conta da ocorrência e descobrir, se possível, se tinha sido desgosto de amor, assassínio ou uns copos a mais.
A ambulância veio. Conferenciaram com a polícia e um tipo gordo e de cabelo gorduroso tomou notas e assinou a certidão de óbito. Mal olhou para ela, tão obviamente morta da queda. Mas também ele não estava ali para ajudar; precisava de lá estar, o ordenado ao fim do mês punha o pão na mesa da família e pagava a educação dos filhos, um par de gémeos alegres e cheios de vivacidade.
Deixaram inscrita na via pública uma silhueta a giz, retrato obsceno da sua pose involuntária.
Tarde na noite, o cão passou por ali. Cheirou e voltou a cheirar, ganiu sabe-se lá porquê, avançou, voltou para trás e por fim levantou a perna e urinou no giz, apagando a sua figura patética e sem defesa.
O mundo ficou mais pobre, nesse dia. Ninguém notou e o cão não sabia, um cão não percebe nada destas coisas. Porque terá ganido o cão?
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