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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Em dias assim conforta-me ler poesia


Detesto-me em dias assim, assim desse jeito triste. Fico nos cantos, ando nas sombras das pessoas. Peço desculpas pelo que não fiz. Recolho-me em um quanto, apago a luz e espero as lágrimas cairem. Em dias assim eu não choro, não consigo, as lágrimas não caem. E isso, faz com que sinta-me mais triste.

Não gosto de estar em casa nesses dias, não gosto de estar entre as gentes. Parece que eu acinzento a vida alheia. Não gosto de cinza, não gosto de acinzentar a vida de ninguém. Tento recolher-me, mas isso também incomoda. Que fazer, não quero incomodar, mas a minha presença causa isso. Conforta-me em dias assim ler poesia, leio Álvaro de Campos:

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral! 

Não quero nada. Não me falem em moral. Repito esses versos, há algo em Lisbon Revisited que conforta-me há algo, que alivia a dor em mim. O grito que tranca em meu peito, ganha liberdade nos versos do poeta. Penso em ser poeta em dias assim. Gritar a dor que sinto e juntar-me a outros que anseiam gritar com o meu grito. Mas eu não grito, o que sobra em sonhos, falta-me em força. Eu me sinto só, acizento-me.

Em dias assim, gosto de ir ao cinemas. Lá é escuro, a grande tela convida-me a sonhar, a descobrir novos mundos, a gostar de viver; a grande tela protege-me da dor que tenho. No cinema, posso ficar no escuro, quieto, sem acizentar ninguém. No cinema, minha presença não incomoda ninguém. No cinema posso ficar triste, sem perturbar, ficar calado, sem atrapalhar.

Em dias assim eu me sinto confuso, sem voz. Quero falar o que me acinzenta, mas as palavras saem brancas no papel. Grito sem volume. Minha fala não encontram ouvidos, minhas palavras não encontram leitores. Os únicos que param para me escutar em dias assim são aqueles que como eu não tem voz. Mendigos, bebados, loucos, prostitutas e os artistas.

Sinto-me tão ultrapassado em dias assim. Acho estranho o mundo, acho estranho que você seja obrigado a ser feliz e a sorrir sempre para agradar; acho estranho você ter que beijar alguém sempre que sai, mesmo que não queira, mesmo que não goste daquela boca. Acho estranho ter que saber o que acontece no twitter ou facebook, quando quero apenas saber como você está; Acho estranho falarem em liberdade quando para ser livre é preciso pensar como os outros, ouvir as mesmas músicas e assistir os mesmos programas. Eu sinto-me perdido nesses dias porque não quero um música com melodia simples; quero sentir o esforço de quem compõem. Quero saborear algo feito com esforço, algo que faça pensar, algo que não seja comum ou feito para agradar a todos. Sinto-me só e perdido nesses dias porque todos que eu conheço são vencedores, como fotos coloridas e sorrisos brilhantes expostos na tela do computador. Lembro de Álvaro novamente "Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo". Sinto-me ultrapassado, velho e cansado lendo poesia. A literatua é coisa do passado, mas encontro mais da humanidade nela do que nas páginas de jornais e de revistas; mais do que da tela da televisão; encontro mais humanidade nas folhas velhas de um livro velho do que nas conversas com as pessoas. E querem que eu me case, casar para quê? "Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?"

Eu tento vestir o terno, usar a gravata, assistir TV e escutar o rádio. Esforço-me por fazer parte dessa vida moderna, mas eu fracasso sempre. Falta-me paciência, falta-me algo. Sinto-me com defeito, estragado, fora do circulo. Não consigo entender e enquadrar-me no tempo, nesse tempo em que estamos. Não consigo entender porque a palavra empenhada não tem valor, porque a amizade se transformou em influência e porque com tanta tecnologia e comunicação esquecemos de olhar no olho e dizer eu te amo. Ao contrário de todos os meus conhecidos eu não sou campeão em nada, "Eu, que venho sido vil, literalmente vil" decidi que vou continuar cansado, ultrapassado e velho. Vou continuar lendo poesia porque ainda encontro nos versos do poeta os resquícios de um mundo que não vejo mais.

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6 comentários:

Você me desculpe.
Encontrei aqui uma citação: "Eu, que venho sido vil, literalmente vil", como sendo de Fernando Pessoa. Ora, em meu entender, isto não é português, pelo que duvidei que fosse daquele poeta. Pesquisei "Eu, que venho sido vil" e deu-me 12 milhões de resultados, enquanto o que me parece correto "Eu, que tenho sido vil" só deu 5 milhões. Sou eu que não sei português ou andam 12 milhões enganados? Você tirou isso dum livro de Pessoa ou da Internet?

Para mim, um caso destes, com o que implica, deixa-me mais triste que um dia de chuva.

De resto, o texto é bom. E se ele saiu do fundo de si, tome um conselho: case-se que vale a pena...

"case-se que vale a pena..."

Se for com a pessoa certa, não é, Joaquim? Senão pode ser um inferno! :D

Não são todos que tem esta sorte na vida, já diria o poeta Hesíodo.

Joaquim, por curiosidade, fiz a mesma busca, no Google, com os resultados seguintes:
"Eu, que venho sido vil, literalmente vil": 497 000 hits
"Eu, que tenho sido vil, literalmente vil": 1 180 000 hits.

As buscas na net são uma coisa complicada... E a cada dia fica mais complicada, com tanta sofisticação e personalização da tecnologia!

Belo texto.

Seu texto me capturou a partir de algumas identificações. Achei isso interessante, visto que são queixas ou desejos que geralmente são imputados ao imaginário feminino: isso de acharem que não vivem em seu tempo, e aquilo da tristeza que parece não passar. Solidarizo-me! Lendo os comentários do Joaquim, do Henry e do MAC, pensei numa outra coisa, que foge ao contexto de comentar seu texto. É que depois do SOPA, as buscas poderão deixar de ser complicadas. Simplesmente porque deixarão de ser. Ou poderemos todos fazer assinatura do Google, ter cartão de pagamento de direitos autorais internacionais para meras citações etc? Confusas ou não, as fontes da internet existem, e para muitos (mesmo produzindo erros como esse "venho sido vil", que misturou uma coisa e outra). Pior será quando (e se) não dispusermos mais de nenhuma fonte. Pelo menos, não gratuitamente. Inicia-se a era da contramão, da exclusão digital, do controle sobre as buscas do homem. È o SOPA sendo vil.

Gente, primeiramente obrigado pelos comentários. Para mim significou muito.

***

Joaquim,
O teu comentário tem incomodado-me bastante, então primeira obrigado por ter causado-me essa inquietação. ;-)

Independente do certo do errado. Penso que a forma mais usual é a "tenho sido" e não "venho sido". Fiz a mesma pesquisa. Assim como os resultados aparecidos para o Mac, para mim também mostrou "tenho sido" como a forma mais usual. Embora, os números tenha sido diferentes. No entanto, como o Mac escreveu "As buscas na net são uma coisa complicada..." Isso pode variar conforme a localização geográfica (google.com, ou google.com.br ou google.com.pt) ou se você esta logado em um dos serviços do google, além de outros fatores. Como a questão não é como o mecanismo funciona, voltemos a forma. Mas o fato de uma forma retornar mais resultados que outra não significa que ela é a correta, podemos concluir (eu acho) que ela é a mais usada.

Eu retirei o texto da internet (http://www.releituras.com/fpessoa_linhareta.asp), segundo o site, o poema foi transcrito do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 418. Não tenho os livros do Pessoa para verificar a forma com que ele escreveu. Então não tenho certeza de qual é maneira correta.

No caso do "poema em linha reta" eu acredito que o site e a transcrição estejam corretas e seja realmente "Eu, que venho sido vil". Não sei se consiguei explicar a questão. Penso que essa troca de "venho sido" por "tenho sido" foi usada de uma sutileza para tenta expressar uma ideia de que o fato de vir agindo e parecendo, no caso, vil não faz do indíviduo de fato um ser vil. Embora o comportamento seja de vil e tenha agido assim por muito tempo, não lhe pertence esse atributo. Se fosse usado a outra forma, para mim, teria a ideia de posse e não de parecer com algo. Como lhe disse, isso incomodou-me bastante.

***

Cinthia, primeiramente obrigado. Tem uma coisa que eu amo, amo, amo mesmo na literatura a possibilidade de leituras. :-) A minha questão quando tratava das "queixas" não diziam respeito ao universo feminino, mas que bom que se aproximou :-). Mas assim como eu viajei na poema em linha reta, espero que você tenha viajado um pouco com o meu texto.

Realmente o texto não diz diretamente ao SOPA, mas embarco com você, nas reflexões. O SOPA levou-me a pensar que a liberdade que temos hoje na internet é maravilhosamente demasiada. Não sou contra a essa liberdade, mas com tantas possibilidades é compreensível, não aceitável, que alguns governos tentem impor limites. Mas o que deixa-me inquieto na liberdade e/da internet é como a usamos. Pensando bem, não tem relação com o SOPA, e sim com o padrão de comportamento que estamos construindo: queremos/precisamos de toda essa conectividade, compartilhamento e informação? Eu não sei. Às vezes penso que a gratuidade de algumas coisas na internet cobra-me um custo muito alto: tempo e atenção. Não entenda que sou a favor de pagarmos, só que às vezes, pego-me em meio a uma ordem do discurso e sem liberdade. Não gosto dessa sensação.

Carlos, obrigado por ter ficado incomodado, sinal de que se preocupa com uma escrita limpa. Eu sou muito chatinho com a ortografia – coisas da idade, provavelmente – e já tenho arranjado inimizades por causa disso, mas, noutros casos, tenho ficado desagradado quando me parece que há demasiada ligeireza na revisão, sobretudo quando parece nem ter existido. Isto num tempo em que os computadores têm corretores ortográficos que assinalam possíveis problemas. Mas nem todos. Este seria um dos casos que não seria assinalado. Incomoda-me, também, que formas bizarras transitem para a Net e aí se espalhem como fogo na floresta. Provavelmente, foi o que aconteceu com esta poesia. Um dia saberemos qual a forma original.

Para além duma dúvida que se tenta aclarar, não há razão para se ficar a repisar nisso, não é?.

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