Henry Alfred Bugalho
Inspirado na pintura La costurera de Diego Velásquez
Armando se abaixou para pegar as chaves e creeeec, as calças se rasgaram de cima a baixo bem nos fundilhos. Naquela hora, ele amaldiçoou o fato de não ter cumprido a promessa de ir à academia para perder os quilos que ganhou depois de se casar. Algumas pessoas o olhavam, certamente avistavam a cueca azul através do rasgo.
Ele retirou o paletó e, segurando as mãos atrás das costas, tentou disfarçar. Embrenhou-se por algumas ruas menos movimentadas e se perdeu numa parte daquela vizinhança que desconhecia. Muitas casinhas residenciais, com muros baixos e cachorros bravos tentando atacar pelos vãos dos portões. Ele avistou o cartaz dependurado na fachada de uma delas:
Alfaiate
Ternos sob medida
Fazemos pequenos reparos
Como não havia campainha, Armando bateu três palmas:
— Ô, de casa!
Por entre as cortinas na janela, uma mulher fez um sinal para que ele entrasse.
Ele a encontrou costurando um vestido.
— O senhor pode aguardar um pouco? O meu marido já volta — o alfaiate ia pelas manhãs ao Centro para comprar material.
— Desculpa, mas tenho um pouco de pressa, estava a caminho do trabalho quando... — Armando se virou, mostrando o rasgo nas calças.
Ela riu, mas logo tapou a boca com as mãos.
— Vai, pode rir! Eu também estaria rindo se não fosse comigo — e ele tentou dar uma gargalhada, mas soou tão artificial que pensou que até poderia tê-la ofendido.
— Nisto eu posso dar um jeito, é só tirar as calças que resolvo num minuto.
Ele procurou por um provador, ou um banheiro, mas ali só havia cadeiras, uma mesa, a máquina de costura, linhas, alfinetes e outros instrumentos de alfaiataria.
— Não precisa ter vergonha, tire as calças.
Se estivesse diante do marido, o alfaiate, não seria tão embaraçante. Apenas três mulheres haviam visto Armando de cuecas: a mãe, a primeira namorada com quem ele perdeu a virgindade e a esposa. Se você já esteve na mesma situação que ele, tendo de tirar as calças diante de uma mulher totalmente desconhecida, deve entender como ele se sentiu. Armando virou-se de costas para ela, desafivelou o cinto e desceu as calças. Pelo reflexo da janela, percebeu que a costureira examinava-o. Muito constrangedor!
Sem se virar, ele estendeu as calças para ela.
— Agora, sente-se aí enquanto eu faço o reparo — e Armando obedeceu, cruzando as pernas como uma moça, para não exibir suas partes.
Lentamente, a costureira passou a linha na agulha e começou a coser. As mãos eram delicadas e brancas, o olhar sempre fixo no trabalho, a respiração suave. A vergonha de Armando começava a passar e, pela primeira vez, ele reparou como a costureira era bonita. Sua blusa tinha um decote grande e ele podia ver as alças do sutiã e uma medalhinha da Nossa Senhora sobre o seu colo. Uma recordação de infância: de sua mãe sentada na sala, diante da TV, costurando as suas meias; uma memória tão singela que Armando quase se levantou para abraçar a costureira. Dois anos que sua mãe morrera. Mas logo lhe ocorreu uma outra cena: ele enfiando a mão dentro daquela blusa, puxando os seios para fora e beijando-os, chupando-os, podia até escutar os arfar de excitação da costureira enquanto a outra mão buscava espaço por dentro da saia, pelo meio das pernas, puxando a calcinha para o lado e penetrando-a lentamente. Ela gemia, gemia, gemia, e Armando teve uma ereção.
— Pronto! — ela disse, entregando-lhe as calças, mas Armando não queria, não podia se levantar — Aqui está.
Ainda sentado, ele a pegou, e dirigiu-lhe os olhos desesperados.
— Não vai prová-la? Ou vai embora apenas de cuecas? — ela riu.
Sem mais opções, Armando se ergueu e a costureira pode ver o que ele ocultava. Ela recuou, assustada, como se visse uma surucucu ou uma jararaca no mato. Depois se virou, fingindo que arrumava a mesa.
Ele não disse nada, apenas se vestiu, deixou o dinheiro na cadeira e sumiu. Acredito que ele até corria, de tanto constrangimento.
No entanto, mais tarde, na hora de dormir, Armando voltou a pensar na costureira, no colo branco, nos seios dela, em seus dedos penetrando-a, em como ele a segurava nos braços, levava-a para um quartinho nos fundos daquela casa, e transavam como cães, de quatro, ele puxando-lhe os cabelos enquanto ela encarava-o com o canto dos olhos e lambia os lábios. A esposa de Armando dormia ao seu lado, quase uma estranha para ele nestes últimos anos, com quem não conseguia conversar, sem sexo há mais de três meses. Ele até tentou despertá-la, roçando o pau duro contra ela, mas a esposa lhe pediu para deixá-la em paz, até mandou que ele se fodesse por tê-la acordado.
Quando Armando apareceu novamente, na manhã seguinte, a costureira não acreditou. A caminho do trabalho, ele se debateu contra esta ideia, chegou a ensaiar a entrada no elevador da firma umas cinco vezes, mas, por fim, retornou àquela região do bairro, à procura da casa do alfaiate. Ele rasgou uma das mangas de sua camisa, como pretexto.
— Você não vai acreditar, mas tive outro probleminha hoje — ele resmungou, bastante desconcertado. Armando mostrou-lhe a manga de camisa rasgada.
— Não prefere esperar pelo meu marido? — ela disse. A presença de Armando a perturbava.
— Não tenho tempo. Tenho de ir ao trabalho — e ele começou a tirar a camisa. A respiração dela se acelerou. Ela mexeu nos cabelos, e evitava fitá-lo. Armando se aproximou e segurou suas mãos.
— Você é um anjo, sabia? — mas ela não respondeu.
Ele chegou mais perto e sussurrou no ouvido dela.
— Pensei a noite toda em você. Acho que estou enlouquecendo — e ele beijou pescoço dela e mordiscou a orelha. A costureira estremeceu.
— Meu marido... Meu marido... — ela balbuciava, enquanto enlaçava Armando num abraço.
Eles se beijaram e, aquilo que Armando tanto imaginara nas últimas horas, se tornava realidade, no entanto, todo o tempo, mesmo enquanto ele a penetrava de pé num canto da lavanderia, ela gemia.
— Meu marido... Ai, meu Deus, o meu marido!
Assim, todas as manhãs, antes de ir ao escritório, Armando passava na casa do alfaiate para transar com a esposa dele.
— Vamos fugir — um dia a costureira sugeriu — Vou largar meu marido, você deixa sua mulher e vamos ser felizes juntos.
— Jamais daria certo — ele respondeu, contrariado — Somos tão diferentes. E você não é como minha mulher...
— Como assim?
— Não sei explicar... Você é apenas uma costureira — Armando disse e, na mesma hora, se arrependeu.
— Apenas uma costureira? O que você quer insinuar com isto?
— Não foi o que quis dizer...
— Acha que não sou boa o suficiente para ser sua mulher? Sou apenas um objeto no qual você mete este seu pinto mole? — e ela apanhou uma tesoura de costura, daquelas grandes, pretas, de ferro, e apontou para Armando — Não sou mulher pra você?
O alfaiate encontrou a esposa morta num canto do quarto, toda ensanguentada, os pulsos cortados. Nas mãos, apertando com uma força imensa, a tesoura de costura e uma recordação de Armando, que, naquele mesmo instante, chegava mutilado ao Pronto Socorro.
— Foi a costureira! — ele berrava — Queria apenas que ela costurasse as minhas calças... As minhas calças!
Henry Alfred Bugalho
Formado em Filosofia pela UFPR, com ênfase em Estética. Especialista em Literatura e História. Autor dos romances “O Canto do Peregrino” (Editora Com-Arte/USP), "O Covil dos Inocentes", "O Rei dos Judeus", da novela "O Homem Pós-Histórico", e de duas coletâneas de contos. Editor da Revista SAMIZDAT e fundador da Oficina Editora. Autor do livro best-selling “Guia Nova York para Mãos-de-Vaca”, cidade na qual morou por 4 anos. Está baseado, atualmente, em Buenos Aires, com sua esposa Denise e Bia, sua cachorrinha.
http://www.henrybugalho.com/
6 comentários:
oh! que raio de final me foi engendrar em história que estava sendo tão...tão mimosa!
Mimosa? É, realmente não seria muito a minha cara... :D
Obrigado pela leitura, Fátima.
Puxa, pra que se matar! Arrancou o mal pela raiz... Iam me encontrar morrendo... De rir! Um pouco de pena de ficar sem o instrumento se prazer, mas me matar eu nao ia não. Adorei esse componente sado-masoquista de sofrer-fazer sofrer-sofrer.
Creio que quase todos os homens já tiveram dessas fantasias em situações equivalentes. Também eu me empolguei com o "mimoso" da história mas quando apareceu a tesoura grande e negra algo mimoso mirrou e se escondeu, tentando passar despercebido. :)
Bem, observado, Joaquim... :D
Rá! Gostei do conto. Achei curiosa a passagem sobre a mãe, que antecede imediatamente a mão dele se enfiando nos peitos da costureira. Nós somos freudianos, não? Parabéns, Bugalho.
Postar um comentário