Feito a
vida, originou-se nas areias do mar. Nelas Grasler modelou os mais fabulosos
castelos, torres além da terra e dos conceitos, santuários com muralhas,
colunas salomônicas. Ornamentos neogóticos recriavam as catedrais de seus
sonhos e delírios, e ao iniciar-se na escola os bonecos de argila concebidos em
suas mãos fascinavam jovens e adultos e não raramente eram furtados. Aos sete
anos cinzelava formas em ébano e gesso, aos treze em mármore, aos vinte fundia
o bronze e com este e outros metais auferia o sustento de sua vida. A perfeição
dos santos por ele esculpidos no ato do arrebatamento não limitava-se ao corpo
e à figura humana mas também às vestes, delineadas com atenção e
meticulosidade, o mesmo aplicando-se aos anjos melancólicos talhados em
circunstâncias inocentes, cada fio de cabelo a exigir o contraditório esmero da
obra inteira. Esculpiu animais cuja triste vivacidade amedrontava os mais
reticentes, bustos de figuras heroicas em plena glória, fontes de água não
menos relevantes ou virtuosas, e todavia fosse um escultor de sucesso
desanimou-o as limitações da arte.
Queria,
além da distinção, o sobrenatural, e ao divagar em torno desse enigma modelava
esboços de futuras obras ou distraía-se com a invenção de figuras – e sem o
saber pretendia conciliar suas meditações e ideias com a noção do divino. Tardou,
mas anos depois, os dedos desfeitos em calos, mãos limitadas a escabrosidades,
renovou-se ao esculpir gnomos. Primeiro fê-los vestidos, com tocas arrebitadas
e botas descomunais, e todavia, ao avançar nesse inexplorado domínio,
desnudou-os. Baixinhos e barbudos, sorriam como se conscientes de suas eróticas
proporções, afinal exibiam a particularidade de um enorme órgão sexual.
Mas e
por que fazê-los assim, indagaria um astro da televisão ao tê-lo em seu
programa.
Pois
isso, e somente isso, faltava às esculturas de Michelangelo, disse Grasler e
fechou os olhos, calou-se. Enriquecera ao negociar as obras e, não só, havia
uma correlação entre o sucesso e o tamanho dos falos, extensos além do exagero
e do bom senso, além do bom gosto, os gnomos então acomodando-se satisfeitos e
sorridentes acima dos membros, no chão enrodilhados feito cordas de navio.
Qual
seria a mensagem transmitida através destas pirocas gigantescas, senhor
Grasler? Pois tamanha demonstração de técnica, estética e inovação há de convir
uma intenção anterior, não vinculada ao acaso.
Ah, com
efeito, redarguiu Grasler, minhas obras não resultam do mero acaso ou,
tampouco, da mera intenção, mas não entrarei, agora, em detalhes. Explicitarei
a genealogia de meu criar num livro autobiográfico a ser lançado esta semana,
Martelo Dos Deuses.
O entrevistador
então enrugou a cara e inclinou-se em direção ao escultor, disse,
Senhor
Grasler, tais membros não insinuariam algo extra, algo relativo a sua
sexualidade, como falam os críticos?
Malgrado
Grasler nada demonstrasse, estava, em seu íntimo, embasbacado. Jamais ouvira ou
lera críticas com esse teor, e ao refutá-las mantinha a carranca inescrutável
de sempre. Muito assusta o interesse em minha sexualidade, disse ele, e, mais
ainda, o ofensivo interesse na sexualidade alguém. Não o interesse em si,
esclareço, mas a forma como se busca na sexualidade um defeito.
Prosseguiu
a entrevista sem outro clímax, e, ao completá-la o irritado escultor abandonou
o estúdio. Entendera tudo: a eles interessava, somente, a sexualidade exposta
em suas obras.
Depois
de entrar em casa, desfez uma das esculturas à bengaladas e coices. Refeito e
tranquilo, pôs-se a trabalhar. A madrugada enfrentou em claro, com ferramentas
esculpiu a estátua que simbolizaria a próxima fase de sua carreira e, também,
um segundo renascer artístico. Terminada dali a três semanas, era outro gnomo,
este com um pênis de tamanho normal. Não mais os faria como antes, descomunais,
e ateve-se a tal compromisso mesmo quando amargou o isolamento e o esquecimento.
Gnomos
ordinários não interessam à sociedade, esclareceu o último dos marchands
interessado nele. Museus recusavam as criações de Grasler, e outros patronos
nem sequer o reconheciam. Incapaz de lidar com o fracasso, entregou-se à
bebida, aos entorpecentes.
Nada
como o excesso para nos confortar, disse ele então, horas antes de ser
encontrado em um beco, nu e descabelado, roxo de frio, o cadáver agarrado ao
mais bem dotado de seus gnomos.
Blog do Autor: https://palpebrascomoondas.wordpress.com/
Twitter: https://twitter.com/asd3copas
0 comentários:
Postar um comentário