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sexta-feira, 22 de abril de 2022

O Bilro Definitivo

 




Feito a vida, originou-se nas areias do mar. Nelas Grasler modelou os mais fabulosos castelos, torres além da terra e dos conceitos, santuários com muralhas, colunas salomônicas. Ornamentos neogóticos recriavam as catedrais de seus sonhos e delírios, e ao iniciar-se na escola os bonecos de argila concebidos em suas mãos fascinavam jovens e adultos e não raramente eram furtados. Aos sete anos cinzelava formas em ébano e gesso, aos treze em mármore, aos vinte fundia o bronze e com este e outros metais auferia o sustento de sua vida. A perfeição dos santos por ele esculpidos no ato do arrebatamento não limitava-se ao corpo e à figura humana mas também às vestes, delineadas com atenção e meticulosidade, o mesmo aplicando-se aos anjos melancólicos talhados em circunstâncias inocentes, cada fio de cabelo a exigir o contraditório esmero da obra inteira. Esculpiu animais cuja triste vivacidade amedrontava os mais reticentes, bustos de figuras heroicas em plena glória, fontes de água não menos relevantes ou virtuosas, e todavia fosse um escultor de sucesso desanimou-o as limitações da arte.

Queria, além da distinção, o sobrenatural, e ao divagar em torno desse enigma modelava esboços de futuras obras ou distraía-se com a invenção de figuras – e sem o saber pretendia conciliar suas meditações e ideias com a noção do divino. Tardou, mas anos depois, os dedos desfeitos em calos, mãos limitadas a escabrosidades, renovou-se ao esculpir gnomos. Primeiro fê-los vestidos, com tocas arrebitadas e botas descomunais, e todavia, ao avançar nesse inexplorado domínio, desnudou-os. Baixinhos e barbudos, sorriam como se conscientes de suas eróticas proporções, afinal exibiam a particularidade de um enorme órgão sexual.

Mas e por que fazê-los assim, indagaria um astro da televisão ao tê-lo em seu programa.

Pois isso, e somente isso, faltava às esculturas de Michelangelo, disse Grasler e fechou os olhos, calou-se. Enriquecera ao negociar as obras e, não só, havia uma correlação entre o sucesso e o tamanho dos falos, extensos além do exagero e do bom senso, além do bom gosto, os gnomos então acomodando-se satisfeitos e sorridentes acima dos membros, no chão enrodilhados feito cordas de navio.

Qual seria a mensagem transmitida através destas pirocas gigantescas, senhor Grasler? Pois tamanha demonstração de técnica, estética e inovação há de convir uma intenção anterior, não vinculada ao acaso.

Ah, com efeito, redarguiu Grasler, minhas obras não resultam do mero acaso ou, tampouco, da mera intenção, mas não entrarei, agora, em detalhes. Explicitarei a genealogia de meu criar num livro autobiográfico a ser lançado esta semana, Martelo Dos Deuses.

O entrevistador então enrugou a cara e inclinou-se em direção ao escultor, disse,

Senhor Grasler, tais membros não insinuariam algo extra, algo relativo a sua sexualidade, como falam os críticos?

Malgrado Grasler nada demonstrasse, estava, em seu íntimo, embasbacado. Jamais ouvira ou lera críticas com esse teor, e ao refutá-las mantinha a carranca inescrutável de sempre. Muito assusta o interesse em minha sexualidade, disse ele, e, mais ainda, o ofensivo interesse na sexualidade alguém. Não o interesse em si, esclareço, mas a forma como se busca na sexualidade um defeito.

Prosseguiu a entrevista sem outro clímax, e, ao completá-la o irritado escultor abandonou o estúdio. Entendera tudo: a eles interessava, somente, a sexualidade exposta em suas obras.

Depois de entrar em casa, desfez uma das esculturas à bengaladas e coices. Refeito e tranquilo, pôs-se a trabalhar. A madrugada enfrentou em claro, com ferramentas esculpiu a estátua que simbolizaria a próxima fase de sua carreira e, também, um segundo renascer artístico. Terminada dali a três semanas, era outro gnomo, este com um pênis de tamanho normal. Não mais os faria como antes, descomunais, e ateve-se a tal compromisso mesmo quando amargou o isolamento e o esquecimento.

Gnomos ordinários não interessam à sociedade, esclareceu o último dos marchands interessado nele. Museus recusavam as criações de Grasler, e outros patronos nem sequer o reconheciam. Incapaz de lidar com o fracasso, entregou-se à bebida, aos entorpecentes.

Nada como o excesso para nos confortar, disse ele então, horas antes de ser encontrado em um beco, nu e descabelado, roxo de frio, o cadáver agarrado ao mais bem dotado de seus gnomos.


Blog  do Autor: https://palpebrascomoondas.wordpress.com/

Twitter: https://twitter.com/asd3copas

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Erik K. Weber
Gaúcho.






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