por Milton Rezende
(com subsídios de Marcelo
Serodre)
Curiosamente para mim o amor sempre se
constituiu num fator desestabilizador, na medida em que, quanto mais forte ele
se tornava, mais intensamente ele perdia sua intensidade. Quer dizer, quanto
mais forte e estável se tornava meu relacionamento afetivo, mais eu ia deixando
de amar a pessoa. Perdia-se, por assim dizer, o ímpeto da conquista e quando se
perde isso (quando não há mais nada a que se conquistar), não há porque
insistirmos numa sequência monótona do estar-a-dois. Talvez em parte tudo isso
se deva a um forte sentimento de revolta que sempre tive. O amor para mim
sempre esteve associado a um sentimento de vingança (não sei exatamente contra
quem ou contra o quê especificamente ele se direcionava), mas sei que foi
sempre muito forte e quase que determinante. Sempre amei como quem cometia um
assassinato premeditado, que cobria várias fases de planejamento e execução. A
conquista era planejada até o ponto de se consumar. Feito isso, o desprezo era
também, igualmente, planejado e consistia de diferentes etapas (nunca gostei de
rupturas violentas à maneira dos passionais). Ao contrário, queria destilar
gota-a-gota o meu amor e a sua contrapartida, justamente para poder assim
dissimular (agravando) o tédio de minha revolta. O pragmatismo de uma pessoa
doente é uma coisa incrível. Minha revolta não poderia ser jogada literalmente
sobre as pessoas, sob pena de elas me abandonarem sem receber a sua cota
devida. Era necessário primeiro eu conquistá-las e assim eu fazia. Uma vingança
em nosso tempo, para ser verdadeira, precisa se consumar sob disfarces e nunca
o contrário. Nosso ódio deve ser direcionado e calculado com uma precisão
matemática. Há que se ter estratégia pois estamos numa guerra, e no deserto. Eu
desprezo um monte de pessoas e elas, provavelmente, também me desprezam. Mas
minha vingança é só pensada. É quase certo que morrerei antes, ardendo nas
chamas de minha terrível situação. Percebo agora, depois de velho, que sempre
estive esfaqueando a minha imagem no espelho. Esse espelho agora está quebrado
e a faca, inevitavelmente, se voltará sobre mim mesmo, como sempre tem
acontecido. A juventude, doutor, é uma enorme carcaça velha retocada pelo
brilho de um verniz de superfície. Aquela moça percebeu isso e se matou
sozinha. Eu a amava bastante sim, mas não a ponto de matá-la. Estou inocente
nesse caso.
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