Encontrei-me com Felipe no último sábado. Faz tempo que
não nos víamos. Ele, cedo, passou num concurso e foi morar em outro Estado – se
não me engano, no Paraná. Daí em diante, foi minha oportunidade de morar no
exterior, por pelo menos quatro anos. Na última vez em que nos encontramos ele
estava na pracinha, perto da minha casa, fazendo exercício. Isso foi, talvez,
em 2018. O encontro no sábado foi inusitado e cheio de emoção. Ele estava mais
magro do que o normal. Ele sempre foi magro, mas dessa vez estava mais, com o
rosto chupado, um pouco de olheiras e vários cabelos brancos, inclusive na
barba. Decerto eu não o reconheceria se ele não tivesse vindo falar comigo. No
ato, ele esboçou uma reação de grande alegria, e eu lhe correspondi. Crescemos
juntos, no mesmo prédio, onde tínhamos uma banda que tocava rock pesado e
depois migrou para o rock pop. Ele era o tecladista e eu, o baterista. Mas
nossa missão de amizade vai além daquele tempo, das nossas atividades juvenis.
Creio que encontramos pessoas ao longo da vida para um propósito, o de ser
feliz, e essas que nos fazem bem devem ficar. Felipe é alguém que quero levar
para o resto da vida. Um cara do bem, amigo e brincalhão. Mas me preocupou
bastante o seu estado de saúde. Não consegui decifrar o que lhe passava. Logo
que comecei a conversar perguntei como estava, e ele me respondeu que “bem”,
meio vacilante. Não seria a hora de me revelar o seu estado? Não estaria eu
autorizado a entrar na sua intimidade, que só caberia à família? A sua esposa
estava ao lado e era só sorrisos. Ela sabia que o encontro nos faria bem, então
deixou que fluísse o que tinha de ser, os nossos papos, as nossas brincadeiras
infantis. Ele não parava de me chamar pelo meu apelido de adolescência – o qual
não vou revelar aqui, para manter a minha integridade –, para nos tornarmos
mais próximos, mais amigos. O tempo não fez com que perdêssemos o lanço da
fraternidade, da boa amizade, verdadeira. Mas eu estava ligeiramente tenso,
aflito com a sua saúde. Ele parecia fraco, abatido. Teria tido um dia horrível?
Estaria exausto do trabalho? Parecia estar de férias com a esposa. Quando me
deu a mão, para nos cumprimentarmos, senti pouca firmeza, uma certa
displicência, que não combinava com o seu olhar, radiante. O olhar era a nossa
fonte primal de energia. Eu sentia que as minhas forças se conectavam às dele
pelo nosso contato visual. Era aí que morava o exato amor. Sim, o amor de
irmão, o amor puro, que transborda a alegria de estar vivo, ali. No entanto, eu
também estou doente, com depressão. Tentei, ao máximo, camuflar o meu estado de
lassidão, eu precisava mostrar-lhe que o encontro era, sim, importantíssimo
para mim, e que eu precisava vê-lo. Despedimo-nos com um afetuoso abraço. Ele
disse, por fim, que estava morando em definitivo em Fortaleza, e eu abri um
sorriso de gratidão; era tudo o que precisava ouvir. Precisamos estar juntos,
foi esse o nosso trato tácito no aperto de mão. Nossas almas, assim creio,
permanecerão em paz.
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