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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Miúdo chão: belezas

Não me canso de recolher as belezas baldias que pousam “no chão breve do cotidiano” (Alexandra Rodrigues). Não me canso de espalhar o que transborda da minha arca de nonadas. Hoje, retiro da minha arca três dessas belezas. Penso que a delicadeza devia ser pauta obrigatória no convívio...





quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Intragável

Ele abriu o novo tablete e colocou sobre os restos da manteiga velha que resistiam no fundo da manteigueira, já arados pela faca de serra. Sabe-se lá há quanto tempo vinha fazendo isso. Ela tentou comer, mas deixou a torrada no prato e o afastou sutilmente em direção ao centro da mesa. Tentou distrair-se lendo o jornal, mas ao tentar virar as páginas sentia como se estivesse com as pontas dos dedos oleosas, rançosas. Quando ele levantou, já atrasado,...





terça-feira, 26 de novembro de 2013

Um personagem em busca de seu autor - Tão longo amor tão curta a vida, de Helder Macedo

Tão longo amor tão curta a vida. O título do mais recente romance do português Helder Macedo (1935) e lançado agora pela Editora Rocco é também a última estrofe do soneto Sete anos de pastor Jacob servia, de Camões. Jacob, sabe-se, ficou com as duas irmãs, Raquel e Lea.  Victor Marques...





Leite quente

Amamentação. Palavra cheia de vida, que alimenta e fortalece. Por outro lado, na crueza do dia a dia, prática que enfraquece as leiteiras e as condena à perda do viço. Porque é batata: enquanto o bebezão cresce e ganha dobras, a mãe definha e perde a sã consciência. A criadora é consumida pela cria, coitadinha (da mãe).  O pós-parto é momento de exaustão, perda de memória, desligamento, desvario. Durante a licença de 120 dias — ou 180, se a mãe for muito...





segunda-feira, 25 de novembro de 2013

– Natal é todo o ano!

Joaquim Bispo  – Todo o ano? Qual Natal, pai, o dos nascimentos ou o das prendas? – O nosso, que não fazemos outra coisa senão presépios, anjinhos e outras figurinhas alusivas, em barro. – Estas meias-pinhas não têm muito que ver com o Natal… – Meias, não, Tiago. As metades de baixo...





domingo, 24 de novembro de 2013

CRÔNICAS LONDRINAS – PARTE II

PERDENDO-ME EM LONDRES Não gosto de mapas. Quando viajo pela primeira vez a uma cidade, prefiro simplesmente caminhar ao léu; pois acredito que, desse modo, posso descobrir, fora das rotas turísticas, lugares igualmente maravilhosos. Ainda que, paradoxalmente, escolha sempre um local conhecido para...





sábado, 23 de novembro de 2013

Ser feliz – um poema ao invés de um conto

Ideia demais atrapalha? Eu acho que não, o que atrapalha mesmo é falta de foco. No início do mês de novembro, separei algumas ideias para escrever um conto especialmente para a SAMIZDAT, porém havia esquecido que novembro era o mês do  NaNoWriMo. Basicamente é um projeto  que desafia escritores ao redor do mundo a escreverem um romance em um mês. Aceitei o desafio. Logo nos primeiros dias percebi que se não focasse na escrita do romance,...





sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Carona

Calor escaldante. Ela fez uma lista enorme dos itens que faltavam em casa, trocou o pijama por roupas confortáveis e colocou no ombro a sacola ecológica tamanho G, de alças largas e verdes e corpo de lona estampada de peixes ameaçados de extinção. Dentro da sacola, uma garrafa plástica com água colhida na torneira da cozinha, a carteira e as chaves do apartamento. Supermercado era tortura a qualquer momento, pela manhã, à tarde, à noite, de segunda à sexta,...





quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Brincando de Boneca

Mamãe diz que brincar de boneca é coisa de menina. Nem ligo pro que ela diz. Sou homem e posso provar. Haja vista as mulheres que amei. Além disso, o que há demais em brincar um pouquinho? Tem adulto que joga videogame. Meu hobby é esse, passatempo da hora de almoço. Esta perna cabe aqui no corpinho,...





quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O tempo e a saudade

Acorda antes do despertador, lava o rosto com gel purificante, dá tapinhas nas bochechas, entra no legging, se afina, calça os dois tênis de uma vez, veste o bustiê francês, prende o rabo (de cavalo), enfia o ipod no ouvido, vai um yogurte no embalo, garrafinha de chá na cintura, sai correndo pela escada, ganha a rua, correr é tesão, entra pela academia, disfarçando a tensão, cantarolando alegria. Sobe na bike estilosa, spinning até cansar, mas como não...





terça-feira, 19 de novembro de 2013

E agora, José?

E agora, José? Faz alguma coisa. Mexa-se. Fuja.  O relógio-ponto marca 8:59 da manhã. É mais um dia na fábrica, mais um dia em meio a tecidos, linha e botões. No entanto, José trabalha no almoxarifado cuidando de todos os itens de limpeza. É encarregado de organizar amaciantes, alvejantes, sabão líquido e demais produtos, de forma que o tecido das roupas produzidas ali chegue ao consumidor com uma aparência de roupa limpa, sem cheiro de “guardado.”  Num...





segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Quando as luzes nos enganam

Crônica de uma noite de chuva  Otávio Martins    Olhando pela janela do meu quarto, no terceiro andar, as luzes suspensas por altíssimos postes, dão-me a plena incerteza da distância, a qual, no momento estou interessado em, teoricamente, perceber entre mim e a minha amada. Modo de dizer, entre o meu quarto e a casa onde ela mora.    Tento fazer alguns cálculos, por cima, pelas lâmpadas, ou luzes, propriamente ditas e por mim aceitas....





domingo, 17 de novembro de 2013

Um poema de Charles Marlon

Work in progress Os dias passam arrastados e pesam nos pés de cada (mal dado) passo. A vassoura de palha submerg- ida na cor morta da folhagem. Cismando so- zinho esbarro nas grandes grades do coreto, onde cor- ríamos muito e onde um dia me disseste: - Rápido, teu avô... De repente, ao deleite do acaso, a pele perde muito de seu calor e se ouriça para dar combate ao vento e o som do sinal da fábrica vem avis-            ...





sábado, 16 de novembro de 2013

Breu

  Estou aqui. São minhas estas narinas que se dilatam, estas pupilas que mordem a escuridão. Meus estes passos indecisos e os tropeços que infligem sons de estouro à madeira do assoalho. Estou aqui. Com medo de cair no chão de tábuas. Esticando os braços para afastar o nada, esse medo...





sexta-feira, 15 de novembro de 2013

tinha uma pedra

Foi nos instantes imediatamente antes e durante de Feliciana se sentar na pedra. Era um calhau igual a tantos que havia pela praia, não fosse destoar das restantes por ser tão lisa. E seria de ser batida pela água e pelo sol, sovada pelas ventanias que levantavam areias. Fosse de que fosse, era um pedregulho liso o que a acolheu como se de um verdadeiro assento se tratasse. Uma poltrona rija e desconfortável, mas uma poltrona. Estava o Outono...