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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A genialidade preservada

(Plínio Marcos, 1935-1999 - Corbis Royalty-Free)


(por Ramon Barbosa Franco)

O cineasta Woody Allen honrou não uma pátria de 190 milhões de pessoas, mas uma ampla nação composta por mais de 250 milhões de homens e mulheres distribuídos pelos quatro cantos da Terra: do minúsculo Timor Leste ao colossal Brasil. Ícone da cultura avassaladora norte-americana, irrigada pela luz do cinema, Allen disse para o jornal britânico ‘The Guardian’: ‘Eu leio Machado de Assis’. Publicado na década de 1880, ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ está na lista dos cinco livros prediletos do artista, que, por muitas vezes evitou passar pelo tapete vermelho da cerimônia do Oscar justamente por coincidir com a data da apresentação de sua banda de jazz. Não é a primeira vez que um brasileiro inspira um grande nome das artes. O prêmio Nobel de Literatura de 2008, o francês J.M.G Le Clezio, quando entrevistado naquele ano pela mídia do mundo inteiro sobre quais eram suas influências literárias, declarava com convicção que bebia muito da fonte de Euclides da Cunha. Jornalista e escritor, Euclides legou para o mundo uma obra sólida, difundida principalmente em ‘Os Sertões’. No livro, o ex-repórter do Estado de S. Paulo (morto em um duelo com jovem oficial Dilermando de Assis) narra a voracidade de um exército contra o arraial de Canudos, tendo à frente o líder messiânico Antônio Conselheiro. O mesmo fato histórico e o mesmo livro incentivaram o peruano Mário Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura de 2010 (e na minha modesta opinião, a melhor escolha da Academia Sueca depois do português José Saramago e do inglês Harold Pinter), a conhecer a Bahia para escrever um épico absoluto, ‘A Guerra do Fim do Mundo’.
O pensar em português é mérito e não castigo, como muito se propaga equivocadamente diante da complexidade de acessar um mundo onde na música, no cinema ou no mercado de trabalho se defende a necessidade quase que exclusiva do inglês. De fato Machado e Euclides possuem um português do Século XIX, com termos e frases que não soam fáceis para as gerações atuais, mas suas produções culturais e literárias preservam a genialidade da linhagem brasileira. A humanidade não tem nacionalidade, somos um só povo e uma só nação, como afirma o refrão de uma canção angolana que defende a união de todos os clãs do país africano irmão do Brasil no falar. Tanto em Woody Allen, quanto em Le Clezio ou em Vargas Llosa, ler um autor brasileiro fluiu de maneira natural, pelo gosto de experimentar o olhar de um Machado ou de um Euclides. Experimente também absorver a vida pela interpretação de um Joca Reiners Terron, de um Célio Rodrigues Siqueira, de um Rony Farto Pereira, de um Oswaldo Mendes, de um Plínio Marcos, de um Adauto Elias Moreira, de uma Telma Guimarães, de um Corbi Barbosa e de toda seara sadia de escritores brasileiros tão próximos de nossas vidas que, certamente, dividirão conosco o fardo de dúvidas que carregamos nas mentes e corações.

Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor de 'Contos do Japim' (Carlini & Caniato, 2010) e colaborador da Revista Samizdat

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