Sabe?
Por muito tempo eu não gostava de natal. Eu não sei quando foi que
aconteceu, mas acordei um dia e simplesmente não gostava mais.
Talvez, tenha sido quando descobri que quem trazia os presentes não
era o Papai Noel, que quem pagava por eles era o meu pai. E, antes
mesmo de descobrir que Papai Noel não existia, eu já sabia que o
pai trabalhava duro para pagar as contas de casa e mãe sempre o
ajudava. Ela vendia aqueles produtos das revistas. É verdade, que em
casa as coisas nunca foram fáceis, mas também nunca faltou nada de
comer. Bons tempos. Quando lembro da minha infância, aquele menino
que eu era fala comigo.
No
natal, tínhamos sempre a ceia. Cheia de frutas, com peru ou chester,
as vezes um frango; a cerveja pro pai e refrigerante para mim.
Gostava mesmo era da coca-cola gelada com a comida, mas na salada de
frutas eu sempre usava fanta para misturar com as frutas. Eu lembro
de acordar no dia 25, depois das 10h e ir tomar “café”. A salada
de frutas com fanta. natal para mim sempre foi sinônimo de fartura,
de presentes, de união, dafamília junta reunida. É claro que
gostava de presentes, mas não era o brinquedo o que fazia diferença.
Para mim era aquela lembrança que alguém tinha de mim. Era como se
fosse uma renovação do amor que as pessoas tinham por mim. E para
mim elas demonstravam isso dando-me presentes. A situação era
difícil. Eu não entendia direito as coisas, mas sentia de alguma
maneira que se alguém priorizou o tempo e o dinheiro para me compra
um presente era porque eu significava algo para essa pessoa. Então
eu me sentia importante. Acho que no fundo era porque eu sentia que
estava sendo amado. Minha mãe sempre dizia que gostava mais de dar
do que receber. Então o tempo passou. Eu cresci. Continuava
jantando com a família, mas depois da meia-noite, saia com meus
amigos. Mesmo nessa minha “juventude” eu queria estar com os meus
pais e meu irmão. Não tinha natal sem eles, isso não fazia sentido
para mim e talvez ainda hoje não faça.
O
meu irmão teve um tempo que não vinha mais para o natal, não
entendia a razão. Tempo depois descobri que ele e o pai tinha
brigados, que eles não se falavam. A mãe fica triste no natal, eu
disfarçava, mas também tinha um lado meu que começou a entender
que as coisas haviam mudado.
Houve
um ano em que a mãe começou a falar mal do natal, falar que era
besteira. Nesse ano, achei que minha mãe era o próprio Scrooge. E
tinha esperança que os fantasmas dos natais viessem e mostrassem pra
minha mãe a mágia do natal, para que eu pudesse sentir amado
novamente e poder comer salada de fruta com fanta no dia seguinte.
Mas depois entendi minha mãe. O que ela tinha não era avareza, era
falta de amor. A mãe tinha sido casada antes. No primeiro casamento
o marido dela a traia com uma amiga. Ela descobriu a traição em um
dia de natal. Então todo o ano ela ficava triste porque lembrava
disso. Era a época triste do ano pra mãe, mas no fundo eu sei que
ela gostava do natal. É que nessa época eu e o mano estavamos
juntos em casa, então ela ficava feliz. Ela também sentia que era
amada novamente. É muito triste não se sentir amado, mas é mais
triste ainda não se sentir amado no natal, onde todos estão com as
suas familias. Sei lá, acho que quando a gente cresce, nós fizemos
de tudo para esquecer disso e passa a não ligar. A gente acha que
não é amado, mas não admite. Esconde que precisa de amor e de
carinho, e diz que não gosta do natal. Que o natal é uma época só
para comprar. Então, um dia também chegou a minha vez. E eu perdi o
encantamento com o natal.
Depois
de muitos anos, o meu irmão voltou a passar o natal conosco. Ele e o
pai fizeram as pazes. Fiquei feliz, mas já era tarde, agora eu
também via as coisas diferentes. Via que embora todos guardasse a
tristeza no natal, assim mesmo ela estava presente. Pelo menos a
minha estava. Percebi que não era mais divertido, esperar acordado
até a meia-noite para comer, queria comer antes. Mas por alguma
razão eu continuava dando presentes e esperando recebê-los. Para
mim, era como se conseguisse materializar na troca dos presentes algo
de puro, de renovador que o natal proporciona. Sabia que o Noel não
existia, mas por algum motivo queria acreditar na mágia do natal.
Acreditar que os sonhos eram possíveis. Talvez por isso, eu sempre
passava o natal na casa dos meus pais.
Há
alguns anos, o último em que todos estavam presentes. A mãe estava
com um tumor e por conta disso estava muito fraca. Há mais ou menos
um ano, ela tinha feito uma cirurgia para retirá-lo, mas o tumor
havia voltado. Lembro da fraqueza, dos seus olhos brilhantes e da
força de sua alma. Dizíamos para ela deitar-se, descansar, mas como
nos anos anteriores, ela dizia-nos que ia jantar primeiro. E no natal
a gente só janta depois da meia-noite. Ela aguentou firme até a
meia-noite. A gente via que ela sofria. Burra e teimosa eu pensava,
mas no fundo eu estava era orgulhoso da mãe que eu tinha. Orgulhoso
da força que ela demonstrava em esperar a meia-noite. Ela jantou
conosco e foi para cama. Nós fomos para o quarto dela. Ficamos com a
mãe um pouco, trocamos presentes e então ela foi dormir. Dois meses
depois a mãe faleceria. Depois disso o natal nunca foi o mesmo.
Eu
continuei indo a casa do pai, passar a meia-noite com ele, mas não
era a mesma coisa. Ele e meu irmão brigavam. A gente não trocava
mais presentes. Parecia que tínhamos deixado de se amar. Acho que
foi por esses dias que percebi que não acreditava mais no natal. Até
queria lembrar da minha infância, lembrar de como os natais eram
felizes, mas não conseguia. Queria que os fantasmas do Dickens
viessem mostrar-me onte eu tinha errado. Não conseguia entender. Só
sabia que não acreditava mais, não conseguia mais inventar o meu
natal. Fechava os olhos para imaginá-lo. Tentava lembrar do Noel,
mas nada acontecia. Foi o dia que percebi ser “adulto” não tinha
graça. Mas tudo se resolve. Como diz aquele cara, se não deu certo
é porque não chegou ao fim ainda.
Comigo
não foi diferente. Era véspera do natal. Eu tinha terminado com a
minha namorada e estava triste que ia passar o natal sozinho. Fui
encher a cara com uns amigos. Lá pela madrugada, depois de algumas
cervejas e muitas doses de whisky. Um velho sentou ao meu lado. Disse
para eu não me preocupar, que ele era o Noel e que se eu pagasse uma
dose ele iria me visitar no natal. Eu, bem que achei aquele cara
familiar, então lembrei era o Bukowski. Aquele bêbado filha da...
As vezes acontece isso, depois de algumas doses converso com um
personagem ou com um escritor, poeta, um desses artistas. No natal
passado, veio o Scrooge me dizer que aquela história de fantasmas do
Dickens não existia coisa nenhuma. Que ele, o Scrooge, já tava de
saco cheio de ficar sozinho. Precisava de uma desculpa desculpa para
se aproximar das pessoas e então os fantasmas foram iventados. Assim
como no Scrooge, no caso do Bukowski eu também não dei atenção.
Mas tinha algo diferente.
No
dia seguinte, quando acordei, por algum motivo eu estava acreditando
em natal. Acho mesmo que esse ano vai se diferente. Eu acredito menos
nas palavras do Bukowski do que no Papai Noel, mas quando fecho os
olhos e tento imaginar o natal. Vejo um velho vestido de vermelho,
bebendo um vinho na garrafa e segurando um cigarro na outra. E ele
tem a cara do Bukowski. Todos nós temos o Natal que acreditamos, que
nos faz feliz. No meu, o Papai Noel chamava-se Bukowski e depois do
trabalho ele vem aqui em casa. Ficamos, até altas horas, conversando
sobre mulheres, porres e bebidas.
No
ano passado foi assim e espero que esse ano se repita. E agora no
Natal, sinto como se fosse uma criança, esperando o Papai Noel. Eu
até já separei uma garrafa pra ele porque sei que vai aparecer.
Será logo depois que ele entregar os presentes. Eu sei que vai dar
um pulo aqui em casa porque eu acredito no Papai Noel.
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