joaquim bispo
O Último Segredo de José Rodrigues dos Santos foi lançado oficialmente em outubro passado, perante “mais de quinhentas pessoas”, na monumental sala da Sociedade de Geografia em Lisboa.
O autor é um conhecido jornalista da televisão pública que, desde há uma dezena de anos, publica best-sellers de mais de quinhentas páginas, à média de um por ano. Os seus cinco ensaios e nove romances já venderam mais de um milhão de exemplares, só no diminuto mercado livreiro português. Os temas são apelativos e quase sempre polémicos: a possibilidade de Cristóvão Colombo ser português – O Codex 632; a prova científica da existência de Deus, a partir de uma fórmula de Einstein – A Fórmula de Deus; o cartel do petróleo e os problemas ambientais do planeta – O Sétimo Selo; a possibilidade de um ataque nuclear por terroristas islâmicos – Fúria Divina.
No livro agora lançado, promete-se revelar a verdadeira identidade de Cristo e desmistificar alguns dos erros, até fraudes, constantes na Bíblia. Como era de esperar, as reações dos setores ligados à Igreja foram adversas e violentas, a começar pelo apresentador do livro, um teólogo de Coimbra convidado pela editora. Senti-me espectador de um escândalo, o resultado de um erro de casting em que alguém se teria enganado na escolha do panegirista, que, em vez de tecer os habituais encómios entusiásticos à excelência da obra, proporcionada por não menos excelente escritor, se estendeu no apontar de erros do texto e em críticas à impreparação do autor para tratar tal matéria.
Foto: O teólogo apresenta o livro. JRS sentado.
JRS não pareceu nada incomodado com as críticas. A sua resposta foi calma, segura, e extensamente apontou vários aspetos ligados às escrituras que carecem de verosimilhança. Transmitindo a ideia de dominar as questões em causa por se ter debruçado afincadamente sobre elas, o saldo foi-lhe favorável.
Passados dias, a imprensa dava conta das reações oficiais da Igreja: “Confunde datas e factos, promete o que não tem, fala do que não sabe”; “a quantidade de incorreções produzidas em apenas três linhas, que o autor dedica a falar da tradução que usa, são esclarecedoras quanto à indigência do seu estado de arte.”
JRS ripostou: “A Igreja Católica não negou nenhuma das afirmações constantes do meu livro”. “A Igreja nega ou não nega que Jesus era judeu - e, consequentemente, que Cristo não era cristão? A Igreja nega ou não nega que há fortes indícios na Bíblia de que Maria não era virgem? A Igreja nega ou não nega que existem textos fraudulentos no Novo Testamento? A Igreja nega ou não nega que nenhum dos autores do Novo Testamento conheceu pessoalmente o Jesus de carne e osso?"; “Nenhum dos Evangelhos descreve a ressurreição”; “Tudo o que no romance escrevi, no que diz respeito a citações bíblicas ou informações históricas ou científicas, é verdadeiro.” “Os académicos sabem disto, a Igreja também. O público é que não".
O livro já vendeu, até ao momento, 130.000 cópias.
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Claraboia, lançado há dois meses, é o mais recente romance de José Saramago, que morreu há mais de um ano.
– Como? Importa-se de repetir?
Em 1953, Saramago enviou um original a uma editora. Era a história cruzada das seis famílias que habitavam um prédio de apartamentos em Lisboa. Segundo os especialistas, já se vislumbram nesta sua temporã escrita as mesmas preocupações sociais denotadas nas obras da maturidade, embora a pontuação seja “bem comportada”. A narrativa mostra “pessoas aparentemente “normais”, no entanto, nelas guardam os pensamentos e desejos proibidos dos vizinhos. Saramago mostra todas as suas mazelas, infelicidades, sonhos, relações matrimoniais penosas, a luta pela sobrevivência diária, e algo mais: relações incestuosas.”
A editora nunca deu qualquer resposta nem devolveu a obra. Presume-se que Saramago, então com cerca de 30 anos, terá ficado muito desmotivado pois esteve 25 anos sem voltar a tentar publicar. Esqueceu-se mesmo daquele original, até porque não possuía qualquer cópia. Há uns dez anos, aquela editora enviou-lhe uma carta em que dava conta que, numa mudança de instalações, tinha encontrado o seu original, e que o publicaria se o autor quisesse. Saramago ficou furioso, mas apressou-se a recuperar o romance esquecido. Não quis que fosse publicado em vida, mas que fizessem o que quisessem depois de morrer. Assim surge o seu último romance, que foi dos primeiros que escreveu.
O lançamento oficial realizou-se em novembro numa sessão informal que celebrava também o aniversário do autor, com a presença da viúva, Pilar del Rio, da filha, Violante, do atual editor, Zeferino Coelho, do realizador do filme José e Pilar, Miguel Gonçalves Mendes, e de amigos escritores, os veteranos Lídia Jorge e José Carlos Vasconcelos e os jovens Gonçalo M. Tavares e José Luís Peixoto. Em fundo foram sendo passadas fotografias de Saramago, do tempo em que Claraboia foi escrito.
Tantos testemunhos próximos permitiram conhecer algumas pequenas histórias, como a da origem da ideia para o Ensaio sobre a Lucidez, quando Saramago tomou conhecimento que, numa localidade mexicana, um poderoso candidato concorreu sozinho e… perdeu, porque as pessoas votaram em branco.
Nesse mesmo dia tinha sido entregue a Pilar a chave do palacete quinhentista Casa dos Bicos, onde irá funcionar a Fundação Saramago.
Fotos (sem flash): joaquim bispo
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