Algumas pessoas me perguntam
sobre o meu processo de criação. Não sei bem o que dizer, mas digo que três
fatores são essenciais: método, disciplina e solidão. Geralmente elas concordam
com os dois primeiros itens e me questionam, sempre, quanto ao terceiro.
Digo-lhes que este é o décimo terceiro livro que escrevo ou do qual participo e
que, com exceção dos livros de poesia, que são a maioria e que é algo
inexplicável, os demais livros, em prosa, seguem este protocolo.
É
claro que depois do Fausto ter entrado em minha vida e ter roubado as minhas
histórias ou parte delas, alguma coisa mudou, mas a essência permanece a mesma.
Eu diria que sou um escritor de feriados prolongados, quando a casa está vazia
e você pode então se exercitar no método, na disciplina e na solidão que já
então é intrínseca.
No
meu caso, especificamente, conta o fato de eu e minha família estarmos
deslocados no espaço geográfico, bem como os meus vizinhos mais próximos, que
também não são daqui. Não tenho parentes e pouquíssimos amigos na cidade onde
moro. Nos feriados, cada um caça o seu rumo e o meu rumo como é distante ou
inexistente, permaneço aqui entre ovelhas de sonhos que cultivo em silêncio.
Não que eu quisesse, sempre, poder ir para a minha cidade natal. Até porque,
presentemente, eu não gostaria de morar lá. Mas ela é sempre uma referência, um
espaço a se conquistar, como aquele antigo amor que você sabe que nunca será
seu e que, não obstante nunca deixa de te des/nortear a vida.
Outro
dia, num show de rock que eu e minha banda imaginária fizemos em nossa cidade,
alguém da platéia gritou que éramos o que de melhor havia e eu retruquei, do
palco onde eu estava então, que agradecia os seus elogios superlativos, mas que
na verdade eu não passava de um bêbado. E nisto consiste o meu método e a minha
disciplina: nos feriados prolongados, quando todos viajam, tranco-me em casa,
não sem antes me abastecer de cervejas, carnes, cachaças e filmes
pornográficos. A literatura e a música precisam ser reais, mas o sexo pode ser
virtual. Durante esses três ou quatro dias geralmente eu não ponho o focinho
para fora da caverna. Tranco tudo e é preferível que o telefone e a campainha
não toquem, como de resto não tocam mesmo, para que eu mantenha a minha disciplina
solitária. Como escrever, por exemplo, um romance com a televisão ligada e com
conversas e pessoas circulando pela casa? O recolhimento, mais do que o
silêncio, é fundamental, assim como é fundamental o egoísmo no ato de escrever
e que cada coisa esteja no seu devido lugar.
Então,
entre uma cerveja e outra eu escrevo. Entre uma cachaça e outra eu escrevo.
Entre um orgasmo e outro eu escrevo. Entre um alimento e outro eu escrevo. Sem
ter varrido a casa, sem ter lavado a louça, sem ter tirado a poeira dos móveis,
sem ter lavado a roupa suja, sem ter desentupido a pia da cozinha, sem ter
passado a roupa da semana anterior, sem ter lavado os banheiros, sem ter
passado pano molhado no piso, sem ter cozinhado o feijão, sem ter vivido o que
minimamente se entende por vida, sem ter visto ou falado com ninguém sequer ao
telefone. Preso ao abismo da tela do computador, desvinculado do mundo e alheio
a tudo o que seja externo ao desespero e às lembranças e à memória de um mundo
afinal inexistente.
No entanto é fundamental que
se tenha pássaros cantando e vasos de flores e peixes no aquário e montanhas
verdes que se estendam através da paisagem e que essas montanhas sejam
circundadas de árvores. E que os ônibus passem na estrada ao longe, recortada
pelo ângulo da janela e que não haja ruídos nem vozes de gente. É claro que a
solidão, a despeito do que se produz ou do que se deixe de produzir, cobra o
seu alto preço e a morte é um medo permanente e o sono escasso e a fome
negligenciada, assim como o corpo e a alma igualmente relegados a um plano
secundário e tantos outros inconvenientes, de tal modo que sorrio sempre e com
alívio quando afinal ouço a chave no cadeado do portão e Rita de C. sobe pela
escada da rotina afinal restabelecida. Mais uma vez fui salvo de mim mesmo.
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